«Ex.mo/a Senhor/a,
O panorama da exibição em Portugal tem vindo ao longo dos últimos anos a ser desvirtuado em prejuízo dos exibidores independentes, como é o caso da Medeia Filmes. A oferta permanente de bilhetes por parte da concorrência escudada noutros negócios de grande rentabilidade, ou a digitalização das salas obrigando a exibir blockbusters, etc., têm vindo a afectar sobremaneira quer a fidelização de públicos quer a possibilidade de se fazer uma programação regular e independente.
Seria necessário, no contexto actual, proceder à digitalização das salas do cinema Medeia Cidade do Porto, o que, a par dos investimentos feitos ao longo dos anos e dos gastos mensais dessas salas, se tornou inviável. Por outro lado, não podemos vergar-nos à imposição de uma programação de blockbusters, que outras salas já oferecem, como contrapartida dessa digitalização.
Por todas estas razões, a Medeia Filmes vê-se forçada a fechar em breve as salas do cinema Medeia Cidade do Porto. Mas irá continuar o seu trabalho no Porto, concentrando-o, a partir de agora, diariamente no Teatro do Campo Alegre e pontualmente noutros espaços de exibição alternativa. Dedicando-se, cada vez mais, ao cinema alternativo e de qualidade que, desde há duas décadas, tem vindo a mostrar ao público cinéfilo da cidade. Vai continuar a poder ver cinema europeu ou de outras cinematografias que aparecem com mais raridade, do Médio Oriente à Ásia. E cinema americano independente.
(...)
Estamos gratos pela fidelidade à nossa programação ao longo do tempo e contamos que continue a ver os filmes de que gosta, agora no Teatro do Campo Alegre, ou nas sessões alternativas que organizarmos e de que lhe daremos conta.
Atentamente,
Medeia Filmes»
Esta é a última semana de exibições das salas de Cinema do Cidade do Porto.
Por isso, meus caros do norte, ENCHAM-NAS!
quinta-feira, 24 de junho de 2010
sexta-feira, 11 de junho de 2010
quarta-feira, 24 de março de 2010
morrer no morto, ou chover no molhado, vai dar tudo ao mesmo.
se continuo a morrer no já morto, é como chover no molhado. e não consigo deixar a casa antiga. a culpa é dos amores. acho que odeio tudo ao mesmo tempo, pelo amor que lhes sinto. a minha avó dizia que já nada era como antigamente. começo a dar-lhe razão. se calhar estou a envelhecer. se calhar, não, estou mesmo! e não gosto. mas não há gentes como antigamente, nem conversas como antigamente, quanto mais silêncios como antigamente!! nos velhos tempos em que era a minha voz cerrada contra as vozes de uma razão que eu sorvia, e depois ia repetir. pelo menos eram coisas novas, antigamente. hoje as gentes são um tédio e dão-me um lugar ao lado da presunção. água benta, só no tempo do antigamente, em que a bebia das tuas palavras. estou a envelhecer e a ficar aborrecida. será que é assim que os mais-velhos, aqueles a quem chamamos Sr./a , donos da sapiência da experiência da vida, de forma bem mais aguçada, se sentem? entediados? custa-me achar que perdi a capacidade de me surpreender, porque sei que ainda me falta um (um, dois, três...) mundo inteiro. se assim for, sou triste a partir de agora! e vou continuar a morrer. e enquanto eu estiver a morrer na morte, ou a chover no molhado, vou ter que voltar à casa velha, quanto mais não seja para ir mudando as flores da campa, que de putrefacção já chega o hoje, que a saudade fica é do antigamente.
e tu, outra, larga o esparguete al dente e vem dançar comigo.
até breve.
e tu, outra, larga o esparguete al dente e vem dançar comigo.
até breve.
domingo, 21 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
acho que a essência me saltou do corpo. é que eu estou mole e incrédula, no sentido que não é bom. tenho o olhar vago à noite, inerte. sabes o sentimento de angústia? é como ter mil mãos a apertarem-me a garganta devagarinho e cada vez mais. sem que me falte a respiração, mas a inalar o ar a esforço e a sentir o coração a não se desprender do peito e a bater devagar. com uma calma estranha. como se encontrasse a paz no som de um piano ao fundo de um bar vazio, que exala a tristeza do músico que vai tocando ao vivo para o pó que dança e o gás da cerveja que morre nos copos dos transeuntes sem rosto que por lá passam. morre o gás e morremos nós, com o corpo atirado para a pele gasta dos sofás. pelo menos ainda conservam a pele e vêem a eternidade dos dias passar. eu não sei se é preguiça de fazer dos dias diferentes, mas parece-me que o meu corpo se arrasta sempre em cenários iguais, que me cansam. talvez sejam os meus olhos que estão vazios e que passam pelos sítios e só vêem memórias e vivem do alimento que delas tiram, mas que já não tem sabor. e eu acordo sempre em sobressalto, corroída pela ansiedade de viver aventuras novas e criar novas memórias e alimentar-me delas enquanto me crepitar na língua o seu paladar. é como um caramelo que se põe na boca antes de dormir: vamos adormecendo ao seu bel-prazer e cerramo-nos para o mundo com um sorriso e a cara lavada. sem vergonhas nem medo do advir do subconsciente. eram tempos de sopros no coração, esses outros. hoje fico amortalhada no silêncio e é assim todos os dias: acordar, engolir o pequeno-almoço ao som das notícias que nunca decoro. lavar a cara e olhar as anomalias do meu corpo desnudo no espelho enquanto a água do banho aquece. deixar que a água então me caia no corpo, e quente me creste a pele e febre o sangue, pois preciso que o corpo funcione por si, sem minha ordem ou vontade. enrolo-me na toalha e tremo à temperatura do ar e é tudo o que no dia me diz que ainda estou viva. seco-me e visto a roupa que tinha escolhido, é prazer que ainda não me fugiu. uma futilidade. lavo os dentes para reciclar o hálito e almejar sentir o sabor da menta, que nunca vem. estico a franja, ponho o chapéu e quando pego na mala para sair, já o comboio partiu. 50 minutos de espera dão-me tempo para sair e me sentar à beira dos carris a sentir vento na cara e desejo pelo abismo. a efemeridade do tempo mata-me todos os dias, ela é mentirosa e malvada, é mutante. não é temporária, é eterna e mostra a minha cara todos os dias na página da necrologia. a pena capital é a solidão e desce dos céus à noite para me levar. a firmeza que me resta insurge-se contra a completa ruína. e escolho a vida diafanógena assaltada pelos ditados do senso que sempre desprezei. e abraço a esperança como razão, que sou ser ímpio, como cálice do antídoto que me restituirá a natureza humana, pura e subtil, como tem que ser. rasgar-me-á o coração ao mundo para nele verem nascer vivaças e saudáveis flores. serão estigmas noutro tempo, decerto. mas até lá, saborearei a compota da felicidade em tostinhas de pão-da-aldeia. vês a força que me resta? ela pede-me para que juntes os teus medos aos meus. e te dês, que a mim nada me resta senão dar-me. e já me dei. dá-me a tua mão que assim viveremos para sempre.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
sábado, 23 de janeiro de 2010
sequei e só me vai na cabeça a conversa de tasco de quinta-feira à noite.
era a mesa chouriço assado, cerveja e azeitonas e a conversa sobre o tempo.
se é passado, presente, futuro.
e o sartre escrevia-me nos olhos as palavras que na noite anterior tinha lido:
"é isso o tempo, o tempo inteiramente nu, que acede lentamente a existência, se faz esperar, e que, quando chega, nos enfastia, porque conhecemos então que já ali estava havia muito."
era a mesa chouriço assado, cerveja e azeitonas e a conversa sobre o tempo.
se é passado, presente, futuro.
e o sartre escrevia-me nos olhos as palavras que na noite anterior tinha lido:
"é isso o tempo, o tempo inteiramente nu, que acede lentamente a existência, se faz esperar, e que, quando chega, nos enfastia, porque conhecemos então que já ali estava havia muito."
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
domingo, 10 de janeiro de 2010
masoquismo violeta.
não é que caiu em mim a razão a dizer-me que sou ser-sadista, que gosto do estilete na mão e de lhe rasgar o peito e lhe saber as entranhas, pegar-lhe o coração nas mão e desfibrilha-lo para que bata - pum-pum.pum-pum. - quente de amor.
bate de dor: que dizia o outro que este é doença. má.
e agora pensar que gosto que me façam o mesmo.
bate de dor: que dizia o outro que este é doença. má.
e agora pensar que gosto que me façam o mesmo.
sábado, 2 de janeiro de 2010
o Homem já não é feito para sempre.
sem a crença, ou a fé, já nada é para sempre.
é como o mundo contemporâneo, supera-se e mata-se e suicida-se todos os dias.
e é sempre diferente e não pára.
e é cenário efémero.
é teatro oral.
é e não é nada porque não tem tempo.
não chega a ter história porque nunca é o mesmo.
sem a crença, ou a fé, já nada é para sempre.
é como o mundo contemporâneo, supera-se e mata-se e suicida-se todos os dias.
e é sempre diferente e não pára.
e é cenário efémero.
é teatro oral.
é e não é nada porque não tem tempo.
não chega a ter história porque nunca é o mesmo.
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
olh'ó cadáver esquisito!
Lembro-me de quando usava batom vermelho.
E se fosse um vermelho espumoso, seria patologia pulmonar.
E hoje que me deito nua no chão a fumar
Vou agora directamente ao fundo
Com a cabeça pesada na almofada
A descansar a cabeça, cerrar os dentes e esperar pelo pior.
Que há cheiro a café moído que vem da cozinha
Era aquele cheirinho que com as torradas da avó ,lhe recordava a infância e tempos felizes.
Mas agora somos como a moleza dos corpos
Imponentes e seguros, como todos os outros das fotos antigas a preto e branco.
No branco,
O sangue, agora a tingir todo o lençol, a rasgar a imaculada leveza do ser!
A levar-me as gotas salgadas do fundo das tuas costas.
c. e r.
E se fosse um vermelho espumoso, seria patologia pulmonar.
E hoje que me deito nua no chão a fumar
Vou agora directamente ao fundo
Com a cabeça pesada na almofada
A descansar a cabeça, cerrar os dentes e esperar pelo pior.
Que há cheiro a café moído que vem da cozinha
Era aquele cheirinho que com as torradas da avó ,lhe recordava a infância e tempos felizes.
Mas agora somos como a moleza dos corpos
Imponentes e seguros, como todos os outros das fotos antigas a preto e branco.
No branco,
O sangue, agora a tingir todo o lençol, a rasgar a imaculada leveza do ser!
A levar-me as gotas salgadas do fundo das tuas costas.
c. e r.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
de volta a casa.
ele sabe,
sei eu lá como,
palavras minhas na sua boca.
à noite, quando aconchego a cara no seu peito
e espero que ele me afague o cabelo,
posso ficar calada:
com o discurso selado,
como quem peca mas não precisa de revelar os delitos e os pecados.
ele fala por mim.
confessa-me
quando, tendo o corpo mole, liberta pelos poros a essência de si.
eu de certa forma sorrio
e penso "deus, ouve-o, que são os meus demónios que lhe saem da boca e perdoa-me",
que eu perdoo-lhe o despir-me no mundo e o pendurar-me as roupas no estendal do povo.
não que não o quisesse calar entre os cobertores,
- que hoje é inverno, as paredes são de pedras; está frio -
e cerrar-lhe as nossas verdades em si...
ou talvez dizer-lhe que cosi o seu coração doente ao meu coração estragado
e que de tão bem encaixarem, nem se nota a costura,
mas julgo que seria presunção e ele daria os meus medos ao desprezo,
sem sequer se aperceber que eram iguais aos seus.
então fico muda a ouvi-lo falar.
vou sorrindo, enquanto me enrosco nele à espera que o cansaço o vença e ele me embale o sono e a paz de quem morre leve e absolvido, cada dia.
sei eu lá como,
palavras minhas na sua boca.
à noite, quando aconchego a cara no seu peito
e espero que ele me afague o cabelo,
posso ficar calada:
com o discurso selado,
como quem peca mas não precisa de revelar os delitos e os pecados.
ele fala por mim.
confessa-me
quando, tendo o corpo mole, liberta pelos poros a essência de si.
eu de certa forma sorrio
e penso "deus, ouve-o, que são os meus demónios que lhe saem da boca e perdoa-me",
que eu perdoo-lhe o despir-me no mundo e o pendurar-me as roupas no estendal do povo.
não que não o quisesse calar entre os cobertores,
- que hoje é inverno, as paredes são de pedras; está frio -
e cerrar-lhe as nossas verdades em si...
ou talvez dizer-lhe que cosi o seu coração doente ao meu coração estragado
e que de tão bem encaixarem, nem se nota a costura,
mas julgo que seria presunção e ele daria os meus medos ao desprezo,
sem sequer se aperceber que eram iguais aos seus.
então fico muda a ouvi-lo falar.
vou sorrindo, enquanto me enrosco nele à espera que o cansaço o vença e ele me embale o sono e a paz de quem morre leve e absolvido, cada dia.
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
eu cresço e não me dão pijamas.
a má circulação ficou, mas não houve pijama novo que me aquecesse o sono.
valeu-me o edredon de penas.
valeu-me o edredon de penas.
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
natal natal.
porque sou a única pessoa que gosta de receber meias e pijamas no Natal e tem má circulação como os avós, nas mãos. pim.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
domingo, 8 de novembro de 2009
claro que não te achas normal, que normais são aqueles seres insípidos e e indiferentes :
a ti provei-te o sabor e sei que não és assim.
e eu, não sou grande, mas o ego, inchado pelas manhãs na máquina que enche pneus das nossas bicicletas, faz o seu papel e é assim que tem que ser. pois mandona sempre fui, resmungona ainda mais, e quem aos seus sai...
não é, porém, qualquer reino que almeja a pose de rainha, mas a indiferença dos demais, que no fundo é tudo pequenez, e o receio do desconhecido, daquilo que me é estrangeiro e que na cosmogonia do meu peito conta que é curiosidade, e ambição corrosiva, e me leva o arrepio à espinha e me solta pela boca a respiração anelante, quando o alcanço.
a ti provei-te o sabor e sei que não és assim.
e eu, não sou grande, mas o ego, inchado pelas manhãs na máquina que enche pneus das nossas bicicletas, faz o seu papel e é assim que tem que ser. pois mandona sempre fui, resmungona ainda mais, e quem aos seus sai...
não é, porém, qualquer reino que almeja a pose de rainha, mas a indiferença dos demais, que no fundo é tudo pequenez, e o receio do desconhecido, daquilo que me é estrangeiro e que na cosmogonia do meu peito conta que é curiosidade, e ambição corrosiva, e me leva o arrepio à espinha e me solta pela boca a respiração anelante, quando o alcanço.
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
memento.
.
em carta aberta, o sopro que leva tanto de nós.
dá-me a mão.
dá-me a mão.
dá-me a mão.
dá-me a mão, sob a efémera luz do fim de uma tarde de outono.
e já que deixamos também as folhas cair, sequemos os corpos na terra, durante a noite.
já pensaste nos momentos em "technicolor"? e no vegetar os dias à mercê conubial do tempo?
saciamos a sátira com o planger do malquistado firmamento, aconchegamos o mordaz, que é o apetite numa sombra.
dormimos envoltos do odor da relva molhada e hibernamos.
chegados à impreterível estiagem, somos "terra seca e [uma mão cheia de] miragens", num infinito "loop" empírico de uma natureza, agora morta.
16: Moments [Will Hoffman]
http://www.youtube.com/watch?v=jNVPalNZD_I
em carta aberta, o sopro que leva tanto de nós.
dá-me a mão.
dá-me a mão.
dá-me a mão.
dá-me a mão, sob a efémera luz do fim de uma tarde de outono.
e já que deixamos também as folhas cair, sequemos os corpos na terra, durante a noite.
já pensaste nos momentos em "technicolor"? e no vegetar os dias à mercê conubial do tempo?
saciamos a sátira com o planger do malquistado firmamento, aconchegamos o mordaz, que é o apetite numa sombra.
dormimos envoltos do odor da relva molhada e hibernamos.
chegados à impreterível estiagem, somos "terra seca e [uma mão cheia de] miragens", num infinito "loop" empírico de uma natureza, agora morta.
16: Moments [Will Hoffman]
http://www.youtube.com/watch?v=jNVPalNZD_I
segunda-feira, 13 de julho de 2009
quarta-feira, 3 de junho de 2009
dispneia ou "frequência de existência"
domingo, 8 de março de 2009
"eu não vou aguentar deixar de existir"
Envelheço em posição fetal. Os dias estagnam e chuva arrefece o corpo em mim. A relva adere fria à pele fresca, que quieta deixa o orvalho salgá-la, enquanto a permanência dos dias encalacra o tempo parado.
Fronte de um corpo com prazo de movimentos, a inércia absorve o passar da existência e prende-me sempre no mesmo presente de memórias imóveis, de um passado imutável. O liame conserva o corpo seguro e a psicose ostraciza a mente. Supera o torpor das horas cansadas e é sempre noite e dia ao mesmo tempo.
Os conteúdos fabricam-me o imaginário e eu combato a esfera nula, ao som da queda. E tudo parece parar, tudo está a parar. Só permanece o meu corpo a levitar, até atingir, desmembrado, o chão. É algo meu que se perde. [sou algo teu que se anula.] E embora não lave o corpo do fogo de um desejo, a viagem será sempre a mesma, até às notícias de um fundo, de um vácuo, de uma vontade por si só fechada à chaga que é a negação do ser em mim.
Estou tão cheia que quero possuir e matar o mundo e o tempo, mas ele que não passa é o mal que eu não sei. Morrer outra vez será poder ouvir dizer o meu renascer de um casulo viciado na liberdade de tudo quanto existe, sob o manto do nada que é sensível. Aguardo a metamorfose para o Homem que não fui e seguirei o novo caminho. Um novo passeio, ou viagem.
Os dias eram incertos e eu lembro-me de quando passeava aprumada ao sol. Nessa sucessão das horas, eu não habitava, dominada, as desabrigadas estepes do norte. Não nevavam, deformes, os flocos biliosos em cima de mim, não Eu caminhava e inspirava a vida. Deixava que me influísse e possuísse. Mas ela contaminou-me e alastrou-se e intrincou-se em mim. E é o cirro que molesta os meus dias, a intempérie que me consome e me deixa deitada de braços ao peito junto às lajes lutuosas de um jardim.
[bandido, não fujas.]
Fronte de um corpo com prazo de movimentos, a inércia absorve o passar da existência e prende-me sempre no mesmo presente de memórias imóveis, de um passado imutável. O liame conserva o corpo seguro e a psicose ostraciza a mente. Supera o torpor das horas cansadas e é sempre noite e dia ao mesmo tempo.
Os conteúdos fabricam-me o imaginário e eu combato a esfera nula, ao som da queda. E tudo parece parar, tudo está a parar. Só permanece o meu corpo a levitar, até atingir, desmembrado, o chão. É algo meu que se perde. [sou algo teu que se anula.] E embora não lave o corpo do fogo de um desejo, a viagem será sempre a mesma, até às notícias de um fundo, de um vácuo, de uma vontade por si só fechada à chaga que é a negação do ser em mim.
Estou tão cheia que quero possuir e matar o mundo e o tempo, mas ele que não passa é o mal que eu não sei. Morrer outra vez será poder ouvir dizer o meu renascer de um casulo viciado na liberdade de tudo quanto existe, sob o manto do nada que é sensível. Aguardo a metamorfose para o Homem que não fui e seguirei o novo caminho. Um novo passeio, ou viagem.
Os dias eram incertos e eu lembro-me de quando passeava aprumada ao sol. Nessa sucessão das horas, eu não habitava, dominada, as desabrigadas estepes do norte. Não nevavam, deformes, os flocos biliosos em cima de mim, não Eu caminhava e inspirava a vida. Deixava que me influísse e possuísse. Mas ela contaminou-me e alastrou-se e intrincou-se em mim. E é o cirro que molesta os meus dias, a intempérie que me consome e me deixa deitada de braços ao peito junto às lajes lutuosas de um jardim.
[bandido, não fujas.]
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
[des]conecto.
partimos na noite.
a (minha) viagem não seria longa, mas o caminho arrastá-la-ia.
eu caminhava em equilibrio pela beira do passeio, a medo de ti. as mochilas pesavam e fatigavam os dorsos retraídos de cansaço. [mas a viagem não seria longa.]. continuámos no ruído das nossas vozes cruzadas, num abafar constante das ideias acesas.
chegámos e no silêncio esperámos que nos levassem ao destino.
"a viagem não será longa" - prevenias-te em segredo.
mais uma chegada.
[é estranho pensar em chegar ao destino, em alcançá-lo, dominá-lo e alterá-lo.]
voltámos a caminhar, agora mais próximos. [não há passeio na viela.]
"eu quero viajar, quero viajar..." - [ecoa em mim.] tu, parar na próxima chegada.
chegamos e estendes-te na indiferença de um quarto estranho. "eu quero viajar.." permanece preserverante na minha mente a epígrafe, sentenciando o destino por alguém controlado. e no sossego das vozes cessadas, contrario-te, como de costume.
[nunca te deixarei levar a melhor ainda que leve a batalha perdida de antemão.]
e vou percorrer as veredas, dançar a noite de cada recanto, tocar cada linha, saliência ou reentrância, incidir-me, confundir-me, viver em harmónico atrito os corpos de um cenário meu, e alimentar-me da pele, do calor, da nudez crua do estranho quarto e dos acidentes de um corpo. [teu.]
a (minha) viagem não seria longa, mas o caminho arrastá-la-ia.
eu caminhava em equilibrio pela beira do passeio, a medo de ti. as mochilas pesavam e fatigavam os dorsos retraídos de cansaço. [mas a viagem não seria longa.]. continuámos no ruído das nossas vozes cruzadas, num abafar constante das ideias acesas.
chegámos e no silêncio esperámos que nos levassem ao destino.
"a viagem não será longa" - prevenias-te em segredo.
mais uma chegada.
[é estranho pensar em chegar ao destino, em alcançá-lo, dominá-lo e alterá-lo.]
voltámos a caminhar, agora mais próximos. [não há passeio na viela.]
"eu quero viajar, quero viajar..." - [ecoa em mim.] tu, parar na próxima chegada.
chegamos e estendes-te na indiferença de um quarto estranho. "eu quero viajar.." permanece preserverante na minha mente a epígrafe, sentenciando o destino por alguém controlado. e no sossego das vozes cessadas, contrario-te, como de costume.
[nunca te deixarei levar a melhor ainda que leve a batalha perdida de antemão.]
e vou percorrer as veredas, dançar a noite de cada recanto, tocar cada linha, saliência ou reentrância, incidir-me, confundir-me, viver em harmónico atrito os corpos de um cenário meu, e alimentar-me da pele, do calor, da nudez crua do estranho quarto e dos acidentes de um corpo. [teu.]
domingo, 11 de janeiro de 2009
comédia circense.
Havemos pois de deixar de existir
Na mera contestação das palavras,
De construir à margem dos dias
As quimeras de volutas,
Que engulham até os arrebiques das damas de um cabaret foleiro.
Erguestes a tenda do circo,
Um palco de aberrações e entretenimento,
Postergastes a essência da moral
Sobre o proscénio do dia-a-dia.
E nós vemos,
Olhamos o espectáculo,
Prestamos culto às personagens do altar
E as palavras de protesto cospem-se,
[Um tanto ao acaso]
Enquanto se desterra o propósito
Dos pés que marcham a calçada.
Que seja expatriado esse estrado de perversidade e devassidão!
Não nos prendam ao vosso ininterrupto fado já putrefacto.
Aos espectadores deste assédio, uma palavra: sublevem-se.
Nunca pensei dizê-lo: a sedição nascerá do chão.
Contra os que laboram as burocracias em cima dos andores.
Sou uma estranha filha do meu tempo,
Talvez leiga num assunto tão comum a nós,
Mas a palavra ainda é minha,
E o coração ainda me fala pela boca,
E os versos correrão sequiosos
Nem que pelas margens gastas das folhas de papel.
Não podem calar a voz,
Não podem calar a voz,
[nem podem calar a voz.]
Ou não haverá mais poesia.
Na mera contestação das palavras,
De construir à margem dos dias
As quimeras de volutas,
Que engulham até os arrebiques das damas de um cabaret foleiro.
Erguestes a tenda do circo,
Um palco de aberrações e entretenimento,
Postergastes a essência da moral
Sobre o proscénio do dia-a-dia.
E nós vemos,
Olhamos o espectáculo,
Prestamos culto às personagens do altar
E as palavras de protesto cospem-se,
[Um tanto ao acaso]
Enquanto se desterra o propósito
Dos pés que marcham a calçada.
Que seja expatriado esse estrado de perversidade e devassidão!
Não nos prendam ao vosso ininterrupto fado já putrefacto.
Aos espectadores deste assédio, uma palavra: sublevem-se.
Nunca pensei dizê-lo: a sedição nascerá do chão.
Contra os que laboram as burocracias em cima dos andores.
Sou uma estranha filha do meu tempo,
Talvez leiga num assunto tão comum a nós,
Mas a palavra ainda é minha,
E o coração ainda me fala pela boca,
E os versos correrão sequiosos
Nem que pelas margens gastas das folhas de papel.
Não podem calar a voz,
Não podem calar a voz,
[nem podem calar a voz.]
Ou não haverá mais poesia.
sábado, 10 de janeiro de 2009
[lights of barcelona] shine on you crazy diamond
"Remember when you were young, you shone like the sun.Shine on you crazy diamond.Now there's a look in your eyes, like black holes in the sky.Shine on you crazy diamond.You were caught on the crossfire of childhood and stardom, blown on the steel breeze.Come on you target for faraway laughter, come on you stranger, you legend, you martyr, and shine!You reached for the secret too soon, you cried for the moon.Shine on you crazy diamond.Threatened by shadows at night, and exposed in the light.Shine on you crazy diamond.Well you wore out your welcome with random precision,rode on the steel breeze.Come on you raver, you seer of visions, come on you painter, you piper, you prisoner, and shine!"
[pin]k floyd.
[pin]k floyd.
sábado, 27 de dezembro de 2008
3*bizzarro.
triangulodeamorbizarro.
[sabes quando já conheces a história, mas teimas em vivê-la como se fosse a primeira vez, na esperança que desta vez seja diferente?]
- recordas a história do menino e da menina? dos desenhos a lápis de cor? -
[com a gama de cores que sonha por nós?]
- sim. e dos riscos que alinhavam as prosas escritas no algodão doce.-
[as nuvens..]
pim. o chão.
[sabes quando já conheces a história, mas teimas em vivê-la como se fosse a primeira vez, na esperança que desta vez seja diferente?]
- recordas a história do menino e da menina? dos desenhos a lápis de cor? -
[com a gama de cores que sonha por nós?]
- sim. e dos riscos que alinhavam as prosas escritas no algodão doce.-
[as nuvens..]
pim. o chão.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Textos Incompletos (II)
Rasgaram o papel de parede.
O arranhar das unhas e o arrepio quente
Ecoam pela (a minha?) espinha
E penetrando,
Laceram fundo o dorso de um corpo doente.
Contorço-me, como que contraindo todos os” espasmagóricos” momentos de marasmo.
É magreza extrema a rotina, o fluxo constante e habitual do curso dos dias.
Estagnar.
Talvez a inércia me leve num ímpeto para uma ocasião azada
Onde as fendas do tempo sejam suturadas,
E as conjunturas não se recopilem em extractos de acontecimentos ignóbeis.
Quiçá o torpor me ale de ensejo à bela cidade,
Porventura me eleve à torre mais alta da catedral,
E me deixe quedar em momentos de tempo-nenhum.
Quem sabe!
Pode ser - ainda - que me largue do topo do mundo e me deixe a cair.
Atravessar o âmago da esfera armilar
Alcançar todo o prazer da sabedoria que almejo,
Construir as horas, os dias à minha maneira:
Viajar.
Sem ter de fechar os olhos.
(talvez "isto" faça pouco sentido. talvez. talvez seja todo o texto uma dúvida, ou a tentativa de reproduzir uma dúvida. talvez lhe falte algo, como já mo disseram. talvez. pois que fique com um título à altura: um texto incompleto.)
O arranhar das unhas e o arrepio quente
Ecoam pela (a minha?) espinha
E penetrando,
Laceram fundo o dorso de um corpo doente.
Contorço-me, como que contraindo todos os” espasmagóricos” momentos de marasmo.
É magreza extrema a rotina, o fluxo constante e habitual do curso dos dias.
Estagnar.
Talvez a inércia me leve num ímpeto para uma ocasião azada
Onde as fendas do tempo sejam suturadas,
E as conjunturas não se recopilem em extractos de acontecimentos ignóbeis.
Quiçá o torpor me ale de ensejo à bela cidade,
Porventura me eleve à torre mais alta da catedral,
E me deixe quedar em momentos de tempo-nenhum.
Quem sabe!
Pode ser - ainda - que me largue do topo do mundo e me deixe a cair.
Atravessar o âmago da esfera armilar
Alcançar todo o prazer da sabedoria que almejo,
Construir as horas, os dias à minha maneira:
Viajar.
Sem ter de fechar os olhos.
(talvez "isto" faça pouco sentido. talvez. talvez seja todo o texto uma dúvida, ou a tentativa de reproduzir uma dúvida. talvez lhe falte algo, como já mo disseram. talvez. pois que fique com um título à altura: um texto incompleto.)
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Textos Incompletos ( I )
Vagueia-se a noite abraçada pela corrente de ar. Vestem-se os casacos para um passeio à beira rio. Luzes e sombras caminham com pés poisados ante a ponte pedonal. O peso dos dias alcança a fadiga mental e as vidas regem-se pelas (des)crenças (in)certas. Os dias transviados erram as morais e os dogmas. As horas são nómadas, estão de passagem: - Haurís o que da terra é bom e vos possa servir de proveito! Vivéis do lucro instantâneo e renovais a vossa identidade num ápice pertinaz, enquanto seguis o vosso caminho de queixo inaudito e sobranceiro!.
Os outros permanecem.
Os outros permanecem.
terça-feira, 26 de agosto de 2008
.
"o Grão Kan possui um atlas em que todas as cidades do império e dos reinos circunvizinhos estão desenhadas palácio a palácio e rua a rua, com as muralhas, os rios, as pontes, as portas, os rochedos. sabe que dos relatórios de Marco Polo não vale a pena esperar notícias desses lugares que de resto ele bem conhece: que em Calambuc, capital da China, há três cidades quadradas umas dentro das outras, com quatro templos cada uma e quatro portas que se abrem conforme as estações do ano; que na ilha de Java o rinoceronte ataca com o seu corno mortífero; que se pescam pérolas no fundo do mar na costa de Malabar.
Kublai pergunta a Marco: - quando tornares ao Poente, repetirás à tua gente as mesmas histórias que me contas a mim?
- eu falo falo - diz Marco, - mas quem me ouve só fixa as pérolas que deseja. outra é a descrição do mundo a que dás benignos ouvidos, outra a que correrá os grupos de estivadores e gondoleiros nos canais da minha cidade no dia do meu regresso, e outra ainda a que poderei ditar em tardia idade, se fosse feito prisioneiro pelos piratas genoveses e posto a ferros na mesma cela com um escrivão de romances de aventuras, quem comanda o conto não é a voz: é o ouvido.
- às vezes parece que a tua voz me chega de longe, enquanto estou prisioneiro de um presente vistoso e invisível , em que todas as formas de convivência humana chegaram a um extremo do seu ciclo que não se podeimaginar que novas formas tomarão. e oiço pela tua voz as razões invisíveis de que viviam as cidades, e pelas quais talvez, depois da morte, reviverão."
CALVINO, Italo; As Cidades Invisíveis; Lisboa: Editorial Teorema; 2006
ISBN 972-695-374-X
sábado, 26 de julho de 2008
tu fazes de conta...
"açucar.
tu para mim não és mais do que:
açucar.
e eu queria tanto estar contigo.
a minha vida vai ficando mais curta e o meu desejo está sempre a mudar:
é isto que eu sou.
"acorda mulher q'ele está a cantar no teu rádio. sonha mulher q'ele quer sonhar a teu lado."
eu já notei. eu já notei:
nenhum de nós é aquilo que diz.
e o que temos em comum é que eu pretendo tanto quanto tu ser ainda mais feliz.
(ser ainda mais feliz.)
"acorda mulher q'ele está a cantar no teu rádio. sonha mulher q'ele quer sonhar a teu lado."
[ajudar. eu posso-te ajudar]
eis o meu plano:
TU FAZES DE CONTA E EU TORÇO PARA QUE ME ENGANES BEM.
filma assim. filma tu: eu, nu. "
fogefogebandido.com
tu para mim não és mais do que:
açucar.
e eu queria tanto estar contigo.
a minha vida vai ficando mais curta e o meu desejo está sempre a mudar:
é isto que eu sou.
"acorda mulher q'ele está a cantar no teu rádio. sonha mulher q'ele quer sonhar a teu lado."
eu já notei. eu já notei:
nenhum de nós é aquilo que diz.
e o que temos em comum é que eu pretendo tanto quanto tu ser ainda mais feliz.
(ser ainda mais feliz.)
"acorda mulher q'ele está a cantar no teu rádio. sonha mulher q'ele quer sonhar a teu lado."
[ajudar. eu posso-te ajudar]
eis o meu plano:
TU FAZES DE CONTA E EU TORÇO PARA QUE ME ENGANES BEM.
filma assim. filma tu: eu, nu. "
fogefogebandido.com
quinta-feira, 26 de junho de 2008
Descompassos acompanhados de incoerências uno-existênciais
Hoje
Os mesmos dois sofás. Ainda os cobre o veludo vermelho. Está sujo e gasto. As palavras delas também. O tempo passou e deixou as suas marcas.
Os lábios vermelhos e as unhas negras ainda se mantêm, como a inércia do tempo de adolescência. E os sofás, antes novos e duros, moldam-se agora aos corpos. São duas.
O tempo de conversas animadas sobre assuntos banais ficou-se pelo passado, já não marca o passo no presente. As duas de preto, o sorriso encarnado forçado na boca e o sarcasmo enrolado na língua. Sempre foram boas de palavras, carinhosas ou amargas, sinceras.
1893
Consigo vê-las descer a rua com o andar em contra-tempo, como se não existissem espaços vazios. Um passo de cada vez para que pelo menos o chão que pisam se sinta completo. Não falam. Ela leva os ouvidos cheios de música, tão cheios (!) (nada mais interessa). Decrépito, tudo o resto, decrépito. Valem apenas as veias que lhe palpitam, cheias de alguma coisa que nem ela sabe bem o que é. Cresce-lhe uma força desumana, às vezes cruel. Ela esquece a melodia do andar e desata a correr, de uma forma desorientada, descompassada. Esquece a companhia. Corre. Corre mais. Corre ainda mais. Tropeça quando acorda do estado de psicose e cai. Cai no chão. Na rua. Numa rua. Desconhecida. Implora o anonimato mas sente-se o centro do mundo. Centro do mundo de quem a olha. E todos a olham. A cabeça rodopia, o olhar perde-se, inverte-se. Agonia. As meias pretas rasgaram-se e os joelhos esmagados contra o chão deixam escorrer sangue. De novo preto e vermelho. A deliciosa combinação. Morte e luxúria. A perversidade da outra cresce-lhe na visão da sua própria dor. Reflexo de salivação. Água na boca, para quem não perceber. O olhar torna-se concupiscente. Observar as pessoas a verem-na no seu acto mais masoquista. Ou mais sádico. Se por um lado o sangue jorrado pela ferida lhe provoca uma sede ardente, quase libidinosa, toda aquela cerimónia à sua volta, feita de histerismos de mulheres inquietas, a corrompe. É sarcasmo puro. E prazer. Muito. Mas não é ela. É a outra. Ou eu. Como quiserem.
Não a alcancei porque fiquei para trás e não a vi cair. Escapei-me por outra rua. Para infectar mais pessoas. Fixar-me nelas. Deleitar-me. Criar arrepios nervosos. Vê-las reprovarem-me quando cruzam olhares comigo. Eu sorrio e roubo mais um pedaço de inocência. A uma criança, adolescente ou adulto. Tudo serve, tudo se perverte. Enquanto caminho recolhendo pedaços de pureza dos outros que me enchem o ego, recordo-a. Ela nunca me deixa. É quase platónico. Talvez a minha única fracção de virgindade lhe pertença. A ela. É preciso fechar os olhos, eu preciso. Deixo-me cair no passeio, contra o muro. Já não faz sentido (nada faz sentido), só ela. Onde andará? Nem recordo o momento em que nos separámos. “Merde”! (se me permitem, em francês para não parecer tão rude). Eu não sei o que (eu) quero. Mas hoje, ela queria ficar sozinha, pensar. E eu não devia tê-la deixado. Não. Penso, sem formular qualquer raciocínio. Não consigo sequer somar 2+2. Pelos dedos, dois numa mão, dois noutra. Um, dois, três, quatro. Traição. Ficar. Não.
Já fujo, corro, galgo as ruínas da minha cidade infectada, num combate interior de medo e culpa antecipada. Onde andará? Pensa. Pensa. Só me resta confiar na intuição. Em casa. Agora chove, chovem-me em cima os remorsos. A rua de paralelo não me ajuda nesta odisseia interna. Falham-me os joelhos e quebra-se a força. Não posso cair. Não posso. Ela já não está longe e precisa de mim. Ou eu preciso dela, já não sei. Este último corredor de 15 metros assusta-me. Perturba-me.
Ela nem fechou a porta, está entreaberta. Sinto o gelo privar-me do movimento. Em estado líquido já só restam as lágrimas. “Linda Martini”, ouve-se pela porta.
Estou à sua frente. Está no chão, parou ali. Está nua, sentada na carpete. A posição do seu corpo enfraquecido, de joelhos ao peito, deixa à mostra as articulações esmurradas. Ela também chora como eu, mas tem espalhado à sua frente um leque de navalhas e facas. Vê-me com a doçura daquele olhar cheio de uma ansiedade angustiante e canta-me “Dá-me a tua melhor faca para cortarmos isto em dois e amanhã esquecer”.
“(…) Então o sol pôs-se ; de repente, o céu tornou-se vermelho como o sangue. Parei, apoiei-me (…), morto de cansaço. Línguas de fogo e sangue estendiam-se sobre o fiorde azul, negro. (…) Eu, sozinho e tremendo de medo, senti o grito imenso, infinito, da natureza.”
Vi-a cravar a navalha nos pulsos e senti a revolta imensa do mundo exterior abater-se sobre mim, num grito insonoro. Munch pintava um quadro, eu bebia-lhe o sangue que se derramava. Fiquei a vê-la desfalecer ao último suspiro. Beijei-a nos lábios e hauri os 21 gramas que ainda lhe restavam a mais dentro do corpo. Eu. Ela. Coexistimos agora. A partir de agora. Mas deixo o corpo ao abandono, naquele campo. Ali. Onde tu, que lês, não sabes onde fica. Não a encontrarás. Ela pertencer-me-á sempre, para sempre.
Hoje
A perversidade não me deixou. Não lamento o meu egoísmo de quando vi o meu mundo morrer para se tornar parte de mim. Viver permanentemente com ela, dentro dela, será uma prova do meu amor? Ou serei apenas mais uma ególatra? Os sofás mantêm-se e eu sento-me num deles. Ainda uso os mesmos lábios encarnados e manchados de escárnio. Restou o que sempre existiu entre nós. Silêncio. Um silêncio. O nosso silêncio.
“SILÊNCIO!” Toma-me ela o corpo, agora, e irá escrever para aqueles que um dia conseguirem aceitar esta condição. Este amor ou forma de amar.
Os mesmos dois sofás. Ainda os cobre o veludo vermelho. Está sujo e gasto. As palavras delas também. O tempo passou e deixou as suas marcas.
Os lábios vermelhos e as unhas negras ainda se mantêm, como a inércia do tempo de adolescência. E os sofás, antes novos e duros, moldam-se agora aos corpos. São duas.
O tempo de conversas animadas sobre assuntos banais ficou-se pelo passado, já não marca o passo no presente. As duas de preto, o sorriso encarnado forçado na boca e o sarcasmo enrolado na língua. Sempre foram boas de palavras, carinhosas ou amargas, sinceras.
1893
Consigo vê-las descer a rua com o andar em contra-tempo, como se não existissem espaços vazios. Um passo de cada vez para que pelo menos o chão que pisam se sinta completo. Não falam. Ela leva os ouvidos cheios de música, tão cheios (!) (nada mais interessa). Decrépito, tudo o resto, decrépito. Valem apenas as veias que lhe palpitam, cheias de alguma coisa que nem ela sabe bem o que é. Cresce-lhe uma força desumana, às vezes cruel. Ela esquece a melodia do andar e desata a correr, de uma forma desorientada, descompassada. Esquece a companhia. Corre. Corre mais. Corre ainda mais. Tropeça quando acorda do estado de psicose e cai. Cai no chão. Na rua. Numa rua. Desconhecida. Implora o anonimato mas sente-se o centro do mundo. Centro do mundo de quem a olha. E todos a olham. A cabeça rodopia, o olhar perde-se, inverte-se. Agonia. As meias pretas rasgaram-se e os joelhos esmagados contra o chão deixam escorrer sangue. De novo preto e vermelho. A deliciosa combinação. Morte e luxúria. A perversidade da outra cresce-lhe na visão da sua própria dor. Reflexo de salivação. Água na boca, para quem não perceber. O olhar torna-se concupiscente. Observar as pessoas a verem-na no seu acto mais masoquista. Ou mais sádico. Se por um lado o sangue jorrado pela ferida lhe provoca uma sede ardente, quase libidinosa, toda aquela cerimónia à sua volta, feita de histerismos de mulheres inquietas, a corrompe. É sarcasmo puro. E prazer. Muito. Mas não é ela. É a outra. Ou eu. Como quiserem.
Não a alcancei porque fiquei para trás e não a vi cair. Escapei-me por outra rua. Para infectar mais pessoas. Fixar-me nelas. Deleitar-me. Criar arrepios nervosos. Vê-las reprovarem-me quando cruzam olhares comigo. Eu sorrio e roubo mais um pedaço de inocência. A uma criança, adolescente ou adulto. Tudo serve, tudo se perverte. Enquanto caminho recolhendo pedaços de pureza dos outros que me enchem o ego, recordo-a. Ela nunca me deixa. É quase platónico. Talvez a minha única fracção de virgindade lhe pertença. A ela. É preciso fechar os olhos, eu preciso. Deixo-me cair no passeio, contra o muro. Já não faz sentido (nada faz sentido), só ela. Onde andará? Nem recordo o momento em que nos separámos. “Merde”! (se me permitem, em francês para não parecer tão rude). Eu não sei o que (eu) quero. Mas hoje, ela queria ficar sozinha, pensar. E eu não devia tê-la deixado. Não. Penso, sem formular qualquer raciocínio. Não consigo sequer somar 2+2. Pelos dedos, dois numa mão, dois noutra. Um, dois, três, quatro. Traição. Ficar. Não.
Já fujo, corro, galgo as ruínas da minha cidade infectada, num combate interior de medo e culpa antecipada. Onde andará? Pensa. Pensa. Só me resta confiar na intuição. Em casa. Agora chove, chovem-me em cima os remorsos. A rua de paralelo não me ajuda nesta odisseia interna. Falham-me os joelhos e quebra-se a força. Não posso cair. Não posso. Ela já não está longe e precisa de mim. Ou eu preciso dela, já não sei. Este último corredor de 15 metros assusta-me. Perturba-me.
Ela nem fechou a porta, está entreaberta. Sinto o gelo privar-me do movimento. Em estado líquido já só restam as lágrimas. “Linda Martini”, ouve-se pela porta.
Estou à sua frente. Está no chão, parou ali. Está nua, sentada na carpete. A posição do seu corpo enfraquecido, de joelhos ao peito, deixa à mostra as articulações esmurradas. Ela também chora como eu, mas tem espalhado à sua frente um leque de navalhas e facas. Vê-me com a doçura daquele olhar cheio de uma ansiedade angustiante e canta-me “Dá-me a tua melhor faca para cortarmos isto em dois e amanhã esquecer”.
“(…) Então o sol pôs-se ; de repente, o céu tornou-se vermelho como o sangue. Parei, apoiei-me (…), morto de cansaço. Línguas de fogo e sangue estendiam-se sobre o fiorde azul, negro. (…) Eu, sozinho e tremendo de medo, senti o grito imenso, infinito, da natureza.”
Vi-a cravar a navalha nos pulsos e senti a revolta imensa do mundo exterior abater-se sobre mim, num grito insonoro. Munch pintava um quadro, eu bebia-lhe o sangue que se derramava. Fiquei a vê-la desfalecer ao último suspiro. Beijei-a nos lábios e hauri os 21 gramas que ainda lhe restavam a mais dentro do corpo. Eu. Ela. Coexistimos agora. A partir de agora. Mas deixo o corpo ao abandono, naquele campo. Ali. Onde tu, que lês, não sabes onde fica. Não a encontrarás. Ela pertencer-me-á sempre, para sempre.
Hoje
A perversidade não me deixou. Não lamento o meu egoísmo de quando vi o meu mundo morrer para se tornar parte de mim. Viver permanentemente com ela, dentro dela, será uma prova do meu amor? Ou serei apenas mais uma ególatra? Os sofás mantêm-se e eu sento-me num deles. Ainda uso os mesmos lábios encarnados e manchados de escárnio. Restou o que sempre existiu entre nós. Silêncio. Um silêncio. O nosso silêncio.
“SILÊNCIO!” Toma-me ela o corpo, agora, e irá escrever para aqueles que um dia conseguirem aceitar esta condição. Este amor ou forma de amar.
domingo, 18 de maio de 2008
Narrativa de cruzamentos em lugares nenhuns e lugares de ninguém.
Circulam analogamente ao passar dos dias, desorientados corpos em mutação. Atravessam-se entre si as vivências, os princípios, as diferenças e as parecenças dos seres volúveis, em locais incertos ou mundos distantes. Os países, mais certamente as cidades, nada mais são senão pontos de desencontros, lares, obrigações de permanência, encarceres de homens autómatos. Vagueiam mecanicamente pelos dias de vida, conformados com a inércia e monotonia certa do passar dos tempos.
Neste mundo podia existir eu, podias existir tu. Um movimento de encerrar a insipidez das eras. Uma pequena revolução à nossa escala mundial. Uma quebra rotineira dos mecanismos sociais. Um grito conjunto. A impertinência de “alguéns”. Deixávamos cair a noite sobre as casas rodeadas de convencionalismos e partíamos à descoberta destes mundos. Não seria necessária a realidade paralela. Tornar Bundesrepublik Deutschland tão perto de Aotearoa. Correr pela Piazza Duomo, rodopiar e estar no Taj Mahal. A turbulência dos interfaces, a vertigem dos abismos, as distâncias percorridas em contra-tempo… a intermittentia dos olhares criam em mim vórtices de viagens, construções metálicas de cidades fantásticas e reinos utópicos.
A lonjura dos lugares unida por carris. As intercepções nos lugares iguais. Os encontrões por entre as multidões presas à azáfama do desprazer do caminho trilhado constantemente. Por entre eles dançaria (dançaríamos?) em rodopios incessantes, fazendo-os tropeçar, cair num estonteamento psicológico. A loucura é um estado de sanidade, quando doseada. A vontade de viver para além do estabelecido, de surgir com ímpeto em diferentes lugares e lá viver vis momentos sem fim porque usurpados repentinamente por uma nova aventura, num outro lugar, aqui, ali, acolá, desfigura o conservadorismo imposto, desafiando os seus sórdidos valores a verem a verdadeira beleza das coisas. Que diferença faz? Toda! As experiências solitárias sem ponto definido criam uma voragem de criatividade, alimentando uma visão cada vez mais surrealista ou até mesmo Dada.
domingo, 4 de maio de 2008
As ideias não surgem, as palavras não fluem.
A imaginação, outrora fértil, está infecunda.
Não projecta o mínimo rasgo de imagem abstracta a consolidar.
Não projecta o mínimo rasgo de imagem abstracta a consolidar.
O som dos dias é débil, o sabor do vento, da cidade, das pontes torna-se insípido.
Os cheiros, esses inebriam-me os sentidos, num reboliço algo embriagante, quase
nauseante, que me impede de olhar a clareza racional dos dias.
quinta-feira, 10 de abril de 2008
fado precoce em tons de azul
A cidadelha obscura deitava-se enquanto o céu arrefecia e se tornava escuro, em tons azul-violeta com luzes crepusculares à medida que a noite se adivinhava. Quando todos abandonavam os cantos mais ousados e as esquinas mais ocultas, Belo, de cigarro aceso nos lábios carregados de palavras surdas, dava vida ao seu vulto negro.Com o longo cabelo a cair-lhe sobre os ombros e pendendo-lhe para a face, ele avançava de máquina ao peito para a aresta mais soturna do bairro mais lúgubre da pequena cidade podre ...
Vivia para ver tudo aquilo mudar, crescer, talvez à velocidade que respirava um cigarro ou através de anos e anos de história registada em mais uns quantos livros mostrados às crianças, posteriormente, para que saibam os marcos do passado, sintam a evolução.
Enquanto aguardava esse utópico dia, voltava, uma noite atrás da outra, aos lugarejos mais recônditos para fotografar. Não usava cores, apenas o preto e o branco. Apenas o reflexo de uma dor profunda de um ego destruído, de um corpo desleixado, sequioso daqueles áureos sentimentos, daqueles gritos de revolta adolescente, proferidos aos sete ventos, sedentos de mensagens audaciosas dos putos convictos! Um contraste do seu imaginário com a mais pura das realidades ... a natureza corrompida, as crianças que na rua fumam mais um, o fado precoce esperando alcançá-los na overdose.
Embora também tendesse para esse caminho quando tudo perdia o rumo, quando a mais insignificante luz se apagava, sabia o significado do primeiro contacto com a droga nestas classes devastadas pela pobreza e falta de ajuda social. Tudo começaria com um «Prova!» e depois um «Queres outro?» ... Depois do ecstasy, da cocaína, da heroína, o final mais temido arrebataria a vida de jovens de escassas oportunidades ...
Fumava mais um cigarro enquanto vagueava pela ruela turva de cheiro a enxofre e doenças malignas. Num canto, mais um jovem a "meter p'rá veia", um outro a preparar aquela que Belo não sabia que seria a sua injecção. Fotografava cada um dos ocupantes. No entanto este último chamava pela objectiva de forma arrepiante, como que pedindo que todo o processo fosse gravado numa sequência de imagens. Belo, obedece! A sua presença, já habitual, não incomoda ninguém, pois todos olhavam para ele como mais "um daqueles tarados" que deambulam na penumbra. Começa, então, a captar a droga, o sumo ácido do limão que escorre até à colher suja, o isqueiro, toda a miscelânea a ferver, a seringa, o elástico que puxado pelos dentes aperta o braço magro e pisado do "junkie", o sorriso irónico, mais um "chuto" ... o prazer, a satisfação ... a satisfação, a dor, a corrosão, o abandono da vida mundana. O resultado de uma injecção letal, a pena capital, a morte.
Mais um corpo ao abandono, mais um entre muitos que ali permanecerão eternos sobre o negro do céu que desaba na hora fatal!
Apesar de não ter sido o primeiro que vira, Belo entrou, ainda chocado, em casa com tudo o que havia presenciado, com tudo o que estava preso ao negativo, ainda na máquina. Pousou-a na única estante que decora o estúdio sombrio, desajeitado, desarrumado onde vive (?) e estendeu-se ao comprido no sofá negro que vestia a carpete que por sua vez vestia o chão, onde havia improvisado uma espécie de sala. Deitado de barriga para cima, não conseguia evitar que as lágrimas lhe beijassem o rosto de pele ebúrnea, enquanto recordava tudo o que o assombrara essa noite. Adormecera por fim ...
Acordou era já alto dia com o sol que o espiava através das persianas, devolvendo àquele lugar um pouco de sorte! Ainda perturbado ergueu o corpo deitado e, como que de uma rotina se tratasse, pegou na máquina, atravessou o estúdio forrado de fotografias a preto e branco que formavam um padrão estranho, tumultuoso e dolorido, dirigindo-se à improvisada câmara escura. Certifica-se que o revelador está à temperatura adequada, toma atenção à hora antes de começar. Mergulha o papel no revelador com a emulsão para baixo, depois com uma pinça vira-o para cima. Agita a tina suavemente para que o papel não deixe de estar em movimento, 30 a 40 segundos e a imagem aparece. Cuidadosamente com a pinça, pega o papel passando-o pelo banho de paragem e por fim levando-o ao fixador. 10 Minutos "et voilá", Belo pode acender a luz ...
Após terminado processo e de resultados na mão, ele observa cada fotografia de forma minuciosa. Toda uma recordação que o aterrorizava desde a noite passada voltava num ápice à superfície da sua lembrança. Sentia o medo apoderar-se do seu corpo frágil e trémulo de ossos esguios ligeiramente desproporcionais. Ao passo que substituía a foto que via por outra e as repetia uma segunda ou terceira vez, as gotas cristalinas que haviam escorrido pelas faces de Belo voltavam a tomar conta dos seus olhos sem força, sem vontade, sem vida ... Chorava ao ver o seu rosto reflectido na cara desaparecida do drogado suicida. Os seus olhos inchavam em tons avermelhados, à medida que se apercebia do que tinha feito na noite anterior. A dor percorria-lhe as veias já sem sangue, o coração já parado, a mente já liberta, o corpo já morto ... - --
Sentia-se perverso, enojado daquilo em que se havia tornado. Tinha vontade de voltar àquele lugar, àquele sítio onde tudo o que é negro se torna azul-cordo-céu depois da injecção de droga que traz de volta o prazer. Queria morrer uma vez mais, de uma forma diferente! Matar-se! Não com a porcaria da droga, mas com um flash virado para si enquanto cravava a navalha no peito! Queria uma morte dolorosa, tamanha a vergonha que sentia de si mesmo ...
Percebia, então, que já não mais vagueava naquele mundo que julgava execrável e que era apenas uma alma penada que ninguém conseguiria vislumbrar. Vivia, agora, para ver a felicidade dos outros, que poderia ser a sua. Desejava morrer outra vez, doía demais viver naquele que era um caminho de penumbra no corredor entre a vida e a morte. Odiava ser um fantasma. Queria enterrar-se no mais fundo dos buracos da terra e ser devorado pelos mais esfomeados, devoradores caçadores minúsculos que lá viviam. Haveria forma de se morrer outra vez? Como matar um fantasma? Não sabia.
Belo ficara aprisionado naquele corpo diáfano ... (a mágoa, o arrependimento nunca mais o deixaram, sobreviveu apenas a vontade de ver tudo mudar, para preto ou para branco, mas nunca para azul).
Vivia para ver tudo aquilo mudar, crescer, talvez à velocidade que respirava um cigarro ou através de anos e anos de história registada em mais uns quantos livros mostrados às crianças, posteriormente, para que saibam os marcos do passado, sintam a evolução.
Enquanto aguardava esse utópico dia, voltava, uma noite atrás da outra, aos lugarejos mais recônditos para fotografar. Não usava cores, apenas o preto e o branco. Apenas o reflexo de uma dor profunda de um ego destruído, de um corpo desleixado, sequioso daqueles áureos sentimentos, daqueles gritos de revolta adolescente, proferidos aos sete ventos, sedentos de mensagens audaciosas dos putos convictos! Um contraste do seu imaginário com a mais pura das realidades ... a natureza corrompida, as crianças que na rua fumam mais um, o fado precoce esperando alcançá-los na overdose.
Embora também tendesse para esse caminho quando tudo perdia o rumo, quando a mais insignificante luz se apagava, sabia o significado do primeiro contacto com a droga nestas classes devastadas pela pobreza e falta de ajuda social. Tudo começaria com um «Prova!» e depois um «Queres outro?» ... Depois do ecstasy, da cocaína, da heroína, o final mais temido arrebataria a vida de jovens de escassas oportunidades ...
Fumava mais um cigarro enquanto vagueava pela ruela turva de cheiro a enxofre e doenças malignas. Num canto, mais um jovem a "meter p'rá veia", um outro a preparar aquela que Belo não sabia que seria a sua injecção. Fotografava cada um dos ocupantes. No entanto este último chamava pela objectiva de forma arrepiante, como que pedindo que todo o processo fosse gravado numa sequência de imagens. Belo, obedece! A sua presença, já habitual, não incomoda ninguém, pois todos olhavam para ele como mais "um daqueles tarados" que deambulam na penumbra. Começa, então, a captar a droga, o sumo ácido do limão que escorre até à colher suja, o isqueiro, toda a miscelânea a ferver, a seringa, o elástico que puxado pelos dentes aperta o braço magro e pisado do "junkie", o sorriso irónico, mais um "chuto" ... o prazer, a satisfação ... a satisfação, a dor, a corrosão, o abandono da vida mundana. O resultado de uma injecção letal, a pena capital, a morte.
Mais um corpo ao abandono, mais um entre muitos que ali permanecerão eternos sobre o negro do céu que desaba na hora fatal!
Apesar de não ter sido o primeiro que vira, Belo entrou, ainda chocado, em casa com tudo o que havia presenciado, com tudo o que estava preso ao negativo, ainda na máquina. Pousou-a na única estante que decora o estúdio sombrio, desajeitado, desarrumado onde vive (?) e estendeu-se ao comprido no sofá negro que vestia a carpete que por sua vez vestia o chão, onde havia improvisado uma espécie de sala. Deitado de barriga para cima, não conseguia evitar que as lágrimas lhe beijassem o rosto de pele ebúrnea, enquanto recordava tudo o que o assombrara essa noite. Adormecera por fim ...
Acordou era já alto dia com o sol que o espiava através das persianas, devolvendo àquele lugar um pouco de sorte! Ainda perturbado ergueu o corpo deitado e, como que de uma rotina se tratasse, pegou na máquina, atravessou o estúdio forrado de fotografias a preto e branco que formavam um padrão estranho, tumultuoso e dolorido, dirigindo-se à improvisada câmara escura. Certifica-se que o revelador está à temperatura adequada, toma atenção à hora antes de começar. Mergulha o papel no revelador com a emulsão para baixo, depois com uma pinça vira-o para cima. Agita a tina suavemente para que o papel não deixe de estar em movimento, 30 a 40 segundos e a imagem aparece. Cuidadosamente com a pinça, pega o papel passando-o pelo banho de paragem e por fim levando-o ao fixador. 10 Minutos "et voilá", Belo pode acender a luz ...
Após terminado processo e de resultados na mão, ele observa cada fotografia de forma minuciosa. Toda uma recordação que o aterrorizava desde a noite passada voltava num ápice à superfície da sua lembrança. Sentia o medo apoderar-se do seu corpo frágil e trémulo de ossos esguios ligeiramente desproporcionais. Ao passo que substituía a foto que via por outra e as repetia uma segunda ou terceira vez, as gotas cristalinas que haviam escorrido pelas faces de Belo voltavam a tomar conta dos seus olhos sem força, sem vontade, sem vida ... Chorava ao ver o seu rosto reflectido na cara desaparecida do drogado suicida. Os seus olhos inchavam em tons avermelhados, à medida que se apercebia do que tinha feito na noite anterior. A dor percorria-lhe as veias já sem sangue, o coração já parado, a mente já liberta, o corpo já morto ... - --
Sentia-se perverso, enojado daquilo em que se havia tornado. Tinha vontade de voltar àquele lugar, àquele sítio onde tudo o que é negro se torna azul-cordo-céu depois da injecção de droga que traz de volta o prazer. Queria morrer uma vez mais, de uma forma diferente! Matar-se! Não com a porcaria da droga, mas com um flash virado para si enquanto cravava a navalha no peito! Queria uma morte dolorosa, tamanha a vergonha que sentia de si mesmo ...
Percebia, então, que já não mais vagueava naquele mundo que julgava execrável e que era apenas uma alma penada que ninguém conseguiria vislumbrar. Vivia, agora, para ver a felicidade dos outros, que poderia ser a sua. Desejava morrer outra vez, doía demais viver naquele que era um caminho de penumbra no corredor entre a vida e a morte. Odiava ser um fantasma. Queria enterrar-se no mais fundo dos buracos da terra e ser devorado pelos mais esfomeados, devoradores caçadores minúsculos que lá viviam. Haveria forma de se morrer outra vez? Como matar um fantasma? Não sabia.
Belo ficara aprisionado naquele corpo diáfano ... (a mágoa, o arrependimento nunca mais o deixaram, sobreviveu apenas a vontade de ver tudo mudar, para preto ou para branco, mas nunca para azul).
quarta-feira, 26 de março de 2008
Quando o suicídio contemplado é apenas fruto mórbido do amor
A fuga à insanidade é constante. Julgar o que é normal ou anormal torna-se difícil quando a discórdia assenta no ponto fulcral da vida em sociedade.
Shelly contorcia-se na cama redonda do quarto, num apartamento emprestado para uma cura, a sua. Não iria chegar o dia em que a pequena de 18 anos se viria livre daquele tão maldito vício. Consumia-a todos os dias, três ou quatro vezes por dia. Não o conseguia evitar. Não alimentar esta necessidade era viver em vão para a rapariga de cabelo escadeado e encaracolado pelos ombros. A sua pele, antes branca, apresentava agora uma tez escurecida devido às horas fora de transe passadas na varanda ao sol. Mas tudo são pormenores desnecessários quando se sabe que a importância da vida de alguém se resume a um quarto de cama redonda. E lá estava ela, deitada de forma irregular - quase chegava a formar um desenho engraçado pelas saliências e depressões causadas pelo corpo sob o lençol -. Era branco, o lençol. Do tecto pendiam rendas, muitas rendas, vermelhas, lilases, brancas, sujas… que encontravam o chão num tremendo reboliço de panejamentos e pó. As paredes estavam rabiscadas de motivos bizarros. Corpos mutilados, andares escancarados, anorexias esqueléticas, palavras sem-ordem, fotografias rasgadas, mesclas de estados psicológicos unidos por linhas de lã juntas por nós defeituosos.
Nada fazia sentido naquele compartimento não fosse o corpo que lá se encontra. Shelly procurava controlar a vontade de uma nova dose, como tentava todos os dias. A fuga eram as paredes, o chão, o tecto, os lençóis rasgados, as unhas cravadas na pele, a garrafa de whisky na mesa-de-cabeceira, ou mesmo a borboleta estendida do lado da almofada já esfaqueada. Da vez que golpeara o travesseiro ainda não tinha chegado à fase física. Tal comportamento sugeria uma determinação niilista de pressionar o botão da auto-destruição. Os distúrbios emocionais e as esquizofrenias nervosas faziam-na ir para além dos limites do entendimento humano. Era especial. Ela. E os espíritos malignos não a abandonavam e ela não conseguia combater esta dependência. Toda esta atitude a encaminhava para uma morte prematura, fosse ela hoje, amanhã ou depois…
Por vezes a alienação fazia-a delirar. Desenhava pentagramas invertidos nas paredes e gritava para o infinito dizendo-se possuída por bruxas. Estava na hora de outra porção. Mais uma vez nada conseguira fazer para travar o vício que avançava para ela como que fugindo de uma morte não anunciada. Sem garrote nem agulha, sem mortalhas ou filtros, ela injectava-se e fumava a sua droga invisível, dominadora e persuasiva. Mais um estado de voo mental, pela pior acepção da expressão. Não voava sobre um ninho de cucos nem via espaços amplos decorados com motivos arabescos, carpetes longas e incensos queimados, criadores de efeitos quase alucinogénicos nos presentes. Pelo contrário, entrava num estado de êxtase psicótico desvairado, sem controlo mental ou racional. Agia por impulso e chorava. Ou rasgava. Ou mutilava, o próprio corpo. E é assim que está a ser hoje, agora.
São cinco horas de uma manhã que chora lágrimas de sangue que teimam em cair nos lençóis de Shelly. Cai o líquido vermelho do céu. Cai o suco da vida através do seu peito. Jorram-se gotas contínuas de sangue pela camisa de noite. A isto, eu chamo um acto falhado. Uma navalhada falhada, em cheio no coração.
Poucos segundos lhe restam, o final de vida precoce deixou-se ver hoje como lição final. O ponto final contemplando o suicídio.
Ironia das ironias, a sua droga era apenas um estado de depressão ao qual ela dedicava parte do seu dia, e mesmo assim lhe consumiu a vida, levando-a ao Purgatório dos juízos em que nem ela acreditava. A derradeira sentença não será favorável a uma nova vida de sanidade mental. Roubar a vida a nós próprios ainda é considerado pecado dotado de uma excentricidade maléfica. O caminho será o do fogo. Da maldição. Talvez o seu estado de morte cerebral já tivesse sido decretado em vida, naquele apartamento, naquele quarto. Uma nova era se iniciará, um novo apartamento, numa nova cama, porque os monstros que nos assombram são eternos como a dor profunda que sentimos ao perder um grande amor. Porque “o fogo que arde sem se ver” não se apaga e nós ficamos para sempre presos na dura realidade da solidão, do abandono. E todos parecem estranhos, até mesmo o mais sincero dos amigos, pois a única coisa que o nosso olhar alcança é o do desejo que ver o amor (dele) voltar. É querer sair do estado de paranóia e voltar a ser feliz.
14 Julho de 07
Shelly contorcia-se na cama redonda do quarto, num apartamento emprestado para uma cura, a sua. Não iria chegar o dia em que a pequena de 18 anos se viria livre daquele tão maldito vício. Consumia-a todos os dias, três ou quatro vezes por dia. Não o conseguia evitar. Não alimentar esta necessidade era viver em vão para a rapariga de cabelo escadeado e encaracolado pelos ombros. A sua pele, antes branca, apresentava agora uma tez escurecida devido às horas fora de transe passadas na varanda ao sol. Mas tudo são pormenores desnecessários quando se sabe que a importância da vida de alguém se resume a um quarto de cama redonda. E lá estava ela, deitada de forma irregular - quase chegava a formar um desenho engraçado pelas saliências e depressões causadas pelo corpo sob o lençol -. Era branco, o lençol. Do tecto pendiam rendas, muitas rendas, vermelhas, lilases, brancas, sujas… que encontravam o chão num tremendo reboliço de panejamentos e pó. As paredes estavam rabiscadas de motivos bizarros. Corpos mutilados, andares escancarados, anorexias esqueléticas, palavras sem-ordem, fotografias rasgadas, mesclas de estados psicológicos unidos por linhas de lã juntas por nós defeituosos.
Nada fazia sentido naquele compartimento não fosse o corpo que lá se encontra. Shelly procurava controlar a vontade de uma nova dose, como tentava todos os dias. A fuga eram as paredes, o chão, o tecto, os lençóis rasgados, as unhas cravadas na pele, a garrafa de whisky na mesa-de-cabeceira, ou mesmo a borboleta estendida do lado da almofada já esfaqueada. Da vez que golpeara o travesseiro ainda não tinha chegado à fase física. Tal comportamento sugeria uma determinação niilista de pressionar o botão da auto-destruição. Os distúrbios emocionais e as esquizofrenias nervosas faziam-na ir para além dos limites do entendimento humano. Era especial. Ela. E os espíritos malignos não a abandonavam e ela não conseguia combater esta dependência. Toda esta atitude a encaminhava para uma morte prematura, fosse ela hoje, amanhã ou depois…
Por vezes a alienação fazia-a delirar. Desenhava pentagramas invertidos nas paredes e gritava para o infinito dizendo-se possuída por bruxas. Estava na hora de outra porção. Mais uma vez nada conseguira fazer para travar o vício que avançava para ela como que fugindo de uma morte não anunciada. Sem garrote nem agulha, sem mortalhas ou filtros, ela injectava-se e fumava a sua droga invisível, dominadora e persuasiva. Mais um estado de voo mental, pela pior acepção da expressão. Não voava sobre um ninho de cucos nem via espaços amplos decorados com motivos arabescos, carpetes longas e incensos queimados, criadores de efeitos quase alucinogénicos nos presentes. Pelo contrário, entrava num estado de êxtase psicótico desvairado, sem controlo mental ou racional. Agia por impulso e chorava. Ou rasgava. Ou mutilava, o próprio corpo. E é assim que está a ser hoje, agora.
São cinco horas de uma manhã que chora lágrimas de sangue que teimam em cair nos lençóis de Shelly. Cai o líquido vermelho do céu. Cai o suco da vida através do seu peito. Jorram-se gotas contínuas de sangue pela camisa de noite. A isto, eu chamo um acto falhado. Uma navalhada falhada, em cheio no coração.
Poucos segundos lhe restam, o final de vida precoce deixou-se ver hoje como lição final. O ponto final contemplando o suicídio.
Ironia das ironias, a sua droga era apenas um estado de depressão ao qual ela dedicava parte do seu dia, e mesmo assim lhe consumiu a vida, levando-a ao Purgatório dos juízos em que nem ela acreditava. A derradeira sentença não será favorável a uma nova vida de sanidade mental. Roubar a vida a nós próprios ainda é considerado pecado dotado de uma excentricidade maléfica. O caminho será o do fogo. Da maldição. Talvez o seu estado de morte cerebral já tivesse sido decretado em vida, naquele apartamento, naquele quarto. Uma nova era se iniciará, um novo apartamento, numa nova cama, porque os monstros que nos assombram são eternos como a dor profunda que sentimos ao perder um grande amor. Porque “o fogo que arde sem se ver” não se apaga e nós ficamos para sempre presos na dura realidade da solidão, do abandono. E todos parecem estranhos, até mesmo o mais sincero dos amigos, pois a única coisa que o nosso olhar alcança é o do desejo que ver o amor (dele) voltar. É querer sair do estado de paranóia e voltar a ser feliz.
14 Julho de 07
segunda-feira, 10 de março de 2008
The Cure @ Pavilhão Atlântico
julgo-me lá ainda. de sapatilhas rotas. com pés de bailarina descoordenada. e eles tocam só para mim. e eu danço. eu eu rodopio. e eu levo os braços ao alto. e eu berro cantando os meus dezoito anos (des)alinhados com as melodias sonantes e as poesias tão em mim identificadas. eles tocam só para mim. só para mim. ascese. nirvana. só para mim. e eu elevo-me no ar flutuando por entre as luzes etrelares emanadas do palco. a noite ainda não terminou, e eu ainda estou à espera dele.
"The spiderman is having me for dinner tonight"
"The spiderman is having me for dinner tonight"
Alinhamento:
Plainsong
Prayers For The Rain
A Strange Day
Alt.End
The Blood
The End of the World
Love Song
A Boy I Never Knew
Pictures of You
Lullaby
From The Edge of The Deep Green Sea
Kyoto Song
Please Project
The Walk
Push
Friday I'm In Love
In Between Days
Just Like Heaven
Primary
Never Enough
Wrong Number
One Hundred Years
Disintegration
ENCORE 1
At Night
M
Play For Today
A Forest
ENCORE 2
Lovecats
Let's Go To Bed
Freak Show
Close To Me
Why Can't I Be You
ENCORE 3
Boys Don't Cry
Jumping Someone Else's Train
Grinding Halt
10.15 Saturday Night
Killing An Arab
quarta-feira, 5 de março de 2008
O IMAGINÁRIO É DOENTIO QUANDO DELES FAZ PARTE A P*TA DA REALIDADE
São flashes de eternidades rasgadas por arames farpados, manchados de sangue de outros que se derramaram em jazigos de dor insensível de mortos que revivem olhares mascarados de ternuras inexistentes.
São pedaços efervescentes em água turva oscilante sob pés descalços jogados nas pedras das calçadas sujas onde o ar não circulou?
São, porém, somos!
A mutilação gera o suicídio de corpos anormais em pessoas esquisitas.
É morte sinónimo de nascimento quando o sentido do obscuro (que tão belo torna os interiores românticos daqueles que se abandonam…) é deturpado pelos cérebros de plástico?
Ó dia que dais vida a noite!
Ó vida que fazeis ceder os mais fortes por estes se julgarem deveras fracos!
Por que tornais o imaginário digno apenas após o abandono da vida terrena?
Morramos por isso (?).
21 Dezembro 2006
São pedaços efervescentes em água turva oscilante sob pés descalços jogados nas pedras das calçadas sujas onde o ar não circulou?
São, porém, somos!
A mutilação gera o suicídio de corpos anormais em pessoas esquisitas.
É morte sinónimo de nascimento quando o sentido do obscuro (que tão belo torna os interiores românticos daqueles que se abandonam…) é deturpado pelos cérebros de plástico?
Ó dia que dais vida a noite!
Ó vida que fazeis ceder os mais fortes por estes se julgarem deveras fracos!
Por que tornais o imaginário digno apenas após o abandono da vida terrena?
Morramos por isso (?).
21 Dezembro 2006
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Não devias deveras
Um último sopro
A tua vontade
Desmedida
Procuras o medo
No fervor da minha ganância
E esperas
Saber o sabor do desejo inquieta-te
E desejares-me, move-te
Para nada
Por nada
Quero-te como não quero que me queiras
Querendo-me pelo que quero ser
E talvez não pelo que seja…
Mas conheces-me e
Ignoras-me quando te oculto o meu “Eu”.
Quando tento ser melhor
Ris-te de mim a gozo
E silencias-me com a tua boca.
Amas-me pelo que sou?
Não devias, deveras.
06 Dezembro 2006
A tua vontade
Desmedida
Procuras o medo
No fervor da minha ganância
E esperas
Saber o sabor do desejo inquieta-te
E desejares-me, move-te
Para nada
Por nada
Quero-te como não quero que me queiras
Querendo-me pelo que quero ser
E talvez não pelo que seja…
Mas conheces-me e
Ignoras-me quando te oculto o meu “Eu”.
Quando tento ser melhor
Ris-te de mim a gozo
E silencias-me com a tua boca.
Amas-me pelo que sou?
Não devias, deveras.
06 Dezembro 2006
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
A Carta escrita há muito que nunca leste e já não faz sentido
Às vezes gostava que não fosse.
É como é. Não será de ser assim. (eu espero). Desculpa-me os espasmos melódicos do que escrevo, mas a necessidade é crescente. Não sei bem do quê, mas é. Algo grande que me esmaga, me deixa pequena. E dói. Dói bastante. Odeio distúrbios emocionais, mas pareço não ser feita de outra coisa. E “mas” mais uma vez. É tão ridículo. Nem sei por que escrevo. É um problema de expressão, bem o sei. Queria que não fosse assim. Que fosse tudo mais simples. Sem tantos momentos de “não-sentir”. Acho que quero sentir menos e durante períodos mais alargados. Quero fechar os olhos e ver lugares distantes, idealizados por nós. Porque tudo não existe sem nós. Dupla negação. Positivo. Balelas. E escrevo, balelas. Hei-de conseguir escrever uma página sem deixar cair uma lágrima. Para ti. Por ti. Tenho sido fraca. Sou fraca. Não sei lidar com as pessoas nem com as coisas. Nem sequer lhes chego à essência que antes se mostrava. Talvez só uma essência importe, agora. A minha, não. A tua. Essência que anseio descobrir. Será como uma fonte de algo imaginário que se assemelha à perfeição. Não à tua. À minha. A minha perfeição para o mundo, a minha “equação que resume a “x” o significado da existência”, esconde-se, ou protege-se, em ti, disfarçada de uma certa timidez traduzida em mordidas acres de arrogância. Bem tento escrever de forma bonita e apercebo-me que embelezar um texto ajuda a não chorar. Pensamentos elaborados distorcem a sinceridade das opiniões. Para quem desconhece a realidade, julgá-los-á bastante sensíveis e emocionais. Para quem detiver o poder da verdade, saberá que na realidade as articulações bonitas só servem para atenuar o que ambiciosamente corre no nosso corpo e procede à metamorfose inconsciente. É nesse estado que escrevo. Estado de transição. Balançando entre a frieza calculista e o estado de psicose. Só assim sustenho as lágrimas que ameaçam borratar a maquilhagem que não uso. Não hoje. Hoje limpo-me. Lavo-me dessa magia transformadora. Cuspo-a. Hoje quero ser eu. (e elas querem escorrer). Que por meros segundos seja. Não quero a metamorfose, muito menos explorar as entranhas da minha anormal psique. A frieza, sacralizo-a para os momentos de rua. Para quando estou contigo. Quero não mais chorar. Não o mereces. Não o queres. Não faz sentido. Como o que hoje escrevo. Nada faz sentido. Não sei se um dia fez ou fará, mas hoje não. Porque hoje me sinto… não me toco mas sinto-me num estado de vigília dissimulado pelo cansaço. Surreal. Talvez seja isso. Hoje sou puro fruto do surrealismo. Um misto de sonho com todos os meus obscuros desejos iluminados pelo que escrevo. Surreal. Para além do real. Transcendente se assim eu o quiser. E tudo o que escrevo são balelas porque só eu entendo as frases articuladas sem discurso lógico. Desconexão. Como eu. Puro vórtice de confusões internas e conflitos apaziguados pela tua voz. Só. Quando mais ninguém sussurra. Quando no escuro prevalece a tua respiração profunda. E eu não me sinto lá. Sinto-me debaixo da cama a combater o monstro que lá se esconde para me assustar quando desapareces. Se neste quarto estás, tudo varia. O teu corpo “deitado” ao abandono na cama preenche as respostas que nunca descobrirei. São as partes de ti que nunca conhecerei mas que são minhas também quando estou contigo. É essa força interior, essa perfeição da tua essência. As tuas duas constituintes, a que conheces e a que tu mesmo não conheces. Não sei explicar. Continuo a embrulhar-me em novelos de palavras sem nada dizer. Com o tempo pensava que as coisas ficavam mais simples, mas desengane-se quem assim pensa também. O tempo é mais complexo. Se quiserem, é tão difícil como saber por que razão existe ou não deus. E se deus for tempo? A dificuldade assenta no facto de existirem falhas no ser humano que o impedem de ler para além do que lhe é mostrado. Acho que devia parar. Mas, e enquadrando-se no meu tempo em que tudo se autonomiza, também as minhas mãos o fazem e insistem em pressionar as pequenas teclas de aparência cúbica que ocupam todo o espaço da placa que se estende a sua frente. E se agora falássemos de sexo? Do sexo. Masculino. Feminino. Balelas outra vez. A isto chamavam os dadaístas de escrita automática (ou não, mesmo.). A sua influência provinha da psicanálise de Freud. E não, eu não estou a fugir ao assunto. Porque o mesmo Freud dizia que o ser humano já “nasce” corrompido e de inocente nada tem. Alegava ele que o todo que nos compõe, física e psicologicamente se automatiza e reage segundo estímulos sexuais. Acho que só estou a referir isto porque realmente admiro este senhor. Chega de sexo. Volto-me (novamente, se assim parecer) a ti, meu amor. Enquanto for “meu amor” não será “bebezinho” como chamava Pessoa a Ofélia. Agora que releio o que escrevi, percebo que nada importa na maneira como te trato. “A cidade está deserta e alguém escreveu o teu nome em toda a parte, nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas… essa palavra repetida ao expoente da loucura. Ora amarga. Ora doce. Para nos lembrar que o amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura”. Não sei até que ponto concordo que o amor seja uma doença mas se o for quero então estar em permanente estado de doença avançada. E se este é o expoente da loucura, abaixo Moliére! Abaixo ele e o seu doente de cisma, abaixo ele e a esquizofrenia. Mas não deixem morrer a sua morte verdadeiramente encenada para o fim glorioso do amante que falece pelo seu amor. É aí que está toda a beleza das coisas. Amor = Doença. Morte = Eterno Amor. A loucura dos amantes não se fica apenas por Shakespeare e Romeu e Julieta. A verdadeira loucura passional será a minha. A que um dia farei para que todo o amor se alie à paixão no fogo eterno. Na transposição do mudo terreno para o NOSSO mundo. Seremos a Fénix e possuiremos a pedra filosofal do nosso tempo. O nosso amor perdurará por tempos desconhecidos onde ficará sempre o teu perfume doce aliado a minha fraca presença, pois se magnificência existe, a ti pertence. A ti e a toda a tua perfeição. A ti e a cada retalho teu, que adoro. A minha loucura és tu e não o amor. A minha obsessão és tu. O meu desejo és tu. A minha voz és tu. A minha vontade és eternamente tu. Chamem-me Blimunda, não quero saber. Mas serás Baltasar. E a minha vontade és tu. Tanta merda que já escrevi em tão pouco tempo. A linha de sentido perdeu-se há muito. Se escrevo e me refiro, falo de um ser que fui e já não sou. Mas é um registo autobiográfico. Nega-se constantemente à medida que me renovo. E nunca sou a mesma. Desculpa.
É como é. Não será de ser assim. (eu espero). Desculpa-me os espasmos melódicos do que escrevo, mas a necessidade é crescente. Não sei bem do quê, mas é. Algo grande que me esmaga, me deixa pequena. E dói. Dói bastante. Odeio distúrbios emocionais, mas pareço não ser feita de outra coisa. E “mas” mais uma vez. É tão ridículo. Nem sei por que escrevo. É um problema de expressão, bem o sei. Queria que não fosse assim. Que fosse tudo mais simples. Sem tantos momentos de “não-sentir”. Acho que quero sentir menos e durante períodos mais alargados. Quero fechar os olhos e ver lugares distantes, idealizados por nós. Porque tudo não existe sem nós. Dupla negação. Positivo. Balelas. E escrevo, balelas. Hei-de conseguir escrever uma página sem deixar cair uma lágrima. Para ti. Por ti. Tenho sido fraca. Sou fraca. Não sei lidar com as pessoas nem com as coisas. Nem sequer lhes chego à essência que antes se mostrava. Talvez só uma essência importe, agora. A minha, não. A tua. Essência que anseio descobrir. Será como uma fonte de algo imaginário que se assemelha à perfeição. Não à tua. À minha. A minha perfeição para o mundo, a minha “equação que resume a “x” o significado da existência”, esconde-se, ou protege-se, em ti, disfarçada de uma certa timidez traduzida em mordidas acres de arrogância. Bem tento escrever de forma bonita e apercebo-me que embelezar um texto ajuda a não chorar. Pensamentos elaborados distorcem a sinceridade das opiniões. Para quem desconhece a realidade, julgá-los-á bastante sensíveis e emocionais. Para quem detiver o poder da verdade, saberá que na realidade as articulações bonitas só servem para atenuar o que ambiciosamente corre no nosso corpo e procede à metamorfose inconsciente. É nesse estado que escrevo. Estado de transição. Balançando entre a frieza calculista e o estado de psicose. Só assim sustenho as lágrimas que ameaçam borratar a maquilhagem que não uso. Não hoje. Hoje limpo-me. Lavo-me dessa magia transformadora. Cuspo-a. Hoje quero ser eu. (e elas querem escorrer). Que por meros segundos seja. Não quero a metamorfose, muito menos explorar as entranhas da minha anormal psique. A frieza, sacralizo-a para os momentos de rua. Para quando estou contigo. Quero não mais chorar. Não o mereces. Não o queres. Não faz sentido. Como o que hoje escrevo. Nada faz sentido. Não sei se um dia fez ou fará, mas hoje não. Porque hoje me sinto… não me toco mas sinto-me num estado de vigília dissimulado pelo cansaço. Surreal. Talvez seja isso. Hoje sou puro fruto do surrealismo. Um misto de sonho com todos os meus obscuros desejos iluminados pelo que escrevo. Surreal. Para além do real. Transcendente se assim eu o quiser. E tudo o que escrevo são balelas porque só eu entendo as frases articuladas sem discurso lógico. Desconexão. Como eu. Puro vórtice de confusões internas e conflitos apaziguados pela tua voz. Só. Quando mais ninguém sussurra. Quando no escuro prevalece a tua respiração profunda. E eu não me sinto lá. Sinto-me debaixo da cama a combater o monstro que lá se esconde para me assustar quando desapareces. Se neste quarto estás, tudo varia. O teu corpo “deitado” ao abandono na cama preenche as respostas que nunca descobrirei. São as partes de ti que nunca conhecerei mas que são minhas também quando estou contigo. É essa força interior, essa perfeição da tua essência. As tuas duas constituintes, a que conheces e a que tu mesmo não conheces. Não sei explicar. Continuo a embrulhar-me em novelos de palavras sem nada dizer. Com o tempo pensava que as coisas ficavam mais simples, mas desengane-se quem assim pensa também. O tempo é mais complexo. Se quiserem, é tão difícil como saber por que razão existe ou não deus. E se deus for tempo? A dificuldade assenta no facto de existirem falhas no ser humano que o impedem de ler para além do que lhe é mostrado. Acho que devia parar. Mas, e enquadrando-se no meu tempo em que tudo se autonomiza, também as minhas mãos o fazem e insistem em pressionar as pequenas teclas de aparência cúbica que ocupam todo o espaço da placa que se estende a sua frente. E se agora falássemos de sexo? Do sexo. Masculino. Feminino. Balelas outra vez. A isto chamavam os dadaístas de escrita automática (ou não, mesmo.). A sua influência provinha da psicanálise de Freud. E não, eu não estou a fugir ao assunto. Porque o mesmo Freud dizia que o ser humano já “nasce” corrompido e de inocente nada tem. Alegava ele que o todo que nos compõe, física e psicologicamente se automatiza e reage segundo estímulos sexuais. Acho que só estou a referir isto porque realmente admiro este senhor. Chega de sexo. Volto-me (novamente, se assim parecer) a ti, meu amor. Enquanto for “meu amor” não será “bebezinho” como chamava Pessoa a Ofélia. Agora que releio o que escrevi, percebo que nada importa na maneira como te trato. “A cidade está deserta e alguém escreveu o teu nome em toda a parte, nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas… essa palavra repetida ao expoente da loucura. Ora amarga. Ora doce. Para nos lembrar que o amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura”. Não sei até que ponto concordo que o amor seja uma doença mas se o for quero então estar em permanente estado de doença avançada. E se este é o expoente da loucura, abaixo Moliére! Abaixo ele e o seu doente de cisma, abaixo ele e a esquizofrenia. Mas não deixem morrer a sua morte verdadeiramente encenada para o fim glorioso do amante que falece pelo seu amor. É aí que está toda a beleza das coisas. Amor = Doença. Morte = Eterno Amor. A loucura dos amantes não se fica apenas por Shakespeare e Romeu e Julieta. A verdadeira loucura passional será a minha. A que um dia farei para que todo o amor se alie à paixão no fogo eterno. Na transposição do mudo terreno para o NOSSO mundo. Seremos a Fénix e possuiremos a pedra filosofal do nosso tempo. O nosso amor perdurará por tempos desconhecidos onde ficará sempre o teu perfume doce aliado a minha fraca presença, pois se magnificência existe, a ti pertence. A ti e a toda a tua perfeição. A ti e a cada retalho teu, que adoro. A minha loucura és tu e não o amor. A minha obsessão és tu. O meu desejo és tu. A minha voz és tu. A minha vontade és eternamente tu. Chamem-me Blimunda, não quero saber. Mas serás Baltasar. E a minha vontade és tu. Tanta merda que já escrevi em tão pouco tempo. A linha de sentido perdeu-se há muito. Se escrevo e me refiro, falo de um ser que fui e já não sou. Mas é um registo autobiográfico. Nega-se constantemente à medida que me renovo. E nunca sou a mesma. Desculpa.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
A queda implora as luzes faíscantes.
É fluorescente o tempo perdido nos passados glamorosos.
O nevoeiro sombrio perturba o real absorvido
Em momentos de ternuras enclausurdas em caixas quadradas de memórias.
São navalhas encerradas nas feridas dos corpos dormentes.
No meu corpo.
Ou na minha alma.
Visto o vestido negro, rendilhado de arames que rasgam a minha carne já em decomposição.
Arde na fogueira do esquecimento a resistente felicidade (?).
A paixão corroi o ser,
Desmembra as pesadas noções de vida.
As setas esvoaçam a meu peito mirado:
Eu vou cair,
Eu vou sangrar.
As lágrimas perduram na existência de nós
Que marchamos sob o som da guerra aliciante
De vitória já perdida.
Caminhamos em direcção ao vazio
Enquanto entoamos cânticos ruidosos
Na esperança de alcançar a outra vida.
Mas resta-nos a verdade.
A morte.
E os corpos afogados no dilúvio das lágrimas derramadas.
É fluorescente o tempo perdido nos passados glamorosos.
O nevoeiro sombrio perturba o real absorvido
Em momentos de ternuras enclausurdas em caixas quadradas de memórias.
São navalhas encerradas nas feridas dos corpos dormentes.
No meu corpo.
Ou na minha alma.
Visto o vestido negro, rendilhado de arames que rasgam a minha carne já em decomposição.
Arde na fogueira do esquecimento a resistente felicidade (?).
A paixão corroi o ser,
Desmembra as pesadas noções de vida.
As setas esvoaçam a meu peito mirado:
Eu vou cair,
Eu vou sangrar.
As lágrimas perduram na existência de nós
Que marchamos sob o som da guerra aliciante
De vitória já perdida.
Caminhamos em direcção ao vazio
Enquanto entoamos cânticos ruidosos
Na esperança de alcançar a outra vida.
Mas resta-nos a verdade.
A morte.
E os corpos afogados no dilúvio das lágrimas derramadas.
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