triangulodeamorbizarro.
[sabes quando já conheces a história, mas teimas em vivê-la como se fosse a primeira vez, na esperança que desta vez seja diferente?]
- recordas a história do menino e da menina? dos desenhos a lápis de cor? -
[com a gama de cores que sonha por nós?]
- sim. e dos riscos que alinhavam as prosas escritas no algodão doce.-
[as nuvens..]
pim. o chão.
sábado, 27 de dezembro de 2008
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Textos Incompletos (II)
Rasgaram o papel de parede.
O arranhar das unhas e o arrepio quente
Ecoam pela (a minha?) espinha
E penetrando,
Laceram fundo o dorso de um corpo doente.
Contorço-me, como que contraindo todos os” espasmagóricos” momentos de marasmo.
É magreza extrema a rotina, o fluxo constante e habitual do curso dos dias.
Estagnar.
Talvez a inércia me leve num ímpeto para uma ocasião azada
Onde as fendas do tempo sejam suturadas,
E as conjunturas não se recopilem em extractos de acontecimentos ignóbeis.
Quiçá o torpor me ale de ensejo à bela cidade,
Porventura me eleve à torre mais alta da catedral,
E me deixe quedar em momentos de tempo-nenhum.
Quem sabe!
Pode ser - ainda - que me largue do topo do mundo e me deixe a cair.
Atravessar o âmago da esfera armilar
Alcançar todo o prazer da sabedoria que almejo,
Construir as horas, os dias à minha maneira:
Viajar.
Sem ter de fechar os olhos.
(talvez "isto" faça pouco sentido. talvez. talvez seja todo o texto uma dúvida, ou a tentativa de reproduzir uma dúvida. talvez lhe falte algo, como já mo disseram. talvez. pois que fique com um título à altura: um texto incompleto.)
O arranhar das unhas e o arrepio quente
Ecoam pela (a minha?) espinha
E penetrando,
Laceram fundo o dorso de um corpo doente.
Contorço-me, como que contraindo todos os” espasmagóricos” momentos de marasmo.
É magreza extrema a rotina, o fluxo constante e habitual do curso dos dias.
Estagnar.
Talvez a inércia me leve num ímpeto para uma ocasião azada
Onde as fendas do tempo sejam suturadas,
E as conjunturas não se recopilem em extractos de acontecimentos ignóbeis.
Quiçá o torpor me ale de ensejo à bela cidade,
Porventura me eleve à torre mais alta da catedral,
E me deixe quedar em momentos de tempo-nenhum.
Quem sabe!
Pode ser - ainda - que me largue do topo do mundo e me deixe a cair.
Atravessar o âmago da esfera armilar
Alcançar todo o prazer da sabedoria que almejo,
Construir as horas, os dias à minha maneira:
Viajar.
Sem ter de fechar os olhos.
(talvez "isto" faça pouco sentido. talvez. talvez seja todo o texto uma dúvida, ou a tentativa de reproduzir uma dúvida. talvez lhe falte algo, como já mo disseram. talvez. pois que fique com um título à altura: um texto incompleto.)
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Textos Incompletos ( I )
Vagueia-se a noite abraçada pela corrente de ar. Vestem-se os casacos para um passeio à beira rio. Luzes e sombras caminham com pés poisados ante a ponte pedonal. O peso dos dias alcança a fadiga mental e as vidas regem-se pelas (des)crenças (in)certas. Os dias transviados erram as morais e os dogmas. As horas são nómadas, estão de passagem: - Haurís o que da terra é bom e vos possa servir de proveito! Vivéis do lucro instantâneo e renovais a vossa identidade num ápice pertinaz, enquanto seguis o vosso caminho de queixo inaudito e sobranceiro!.
Os outros permanecem.
Os outros permanecem.
terça-feira, 26 de agosto de 2008
.
"o Grão Kan possui um atlas em que todas as cidades do império e dos reinos circunvizinhos estão desenhadas palácio a palácio e rua a rua, com as muralhas, os rios, as pontes, as portas, os rochedos. sabe que dos relatórios de Marco Polo não vale a pena esperar notícias desses lugares que de resto ele bem conhece: que em Calambuc, capital da China, há três cidades quadradas umas dentro das outras, com quatro templos cada uma e quatro portas que se abrem conforme as estações do ano; que na ilha de Java o rinoceronte ataca com o seu corno mortífero; que se pescam pérolas no fundo do mar na costa de Malabar.
Kublai pergunta a Marco: - quando tornares ao Poente, repetirás à tua gente as mesmas histórias que me contas a mim?
- eu falo falo - diz Marco, - mas quem me ouve só fixa as pérolas que deseja. outra é a descrição do mundo a que dás benignos ouvidos, outra a que correrá os grupos de estivadores e gondoleiros nos canais da minha cidade no dia do meu regresso, e outra ainda a que poderei ditar em tardia idade, se fosse feito prisioneiro pelos piratas genoveses e posto a ferros na mesma cela com um escrivão de romances de aventuras, quem comanda o conto não é a voz: é o ouvido.
- às vezes parece que a tua voz me chega de longe, enquanto estou prisioneiro de um presente vistoso e invisível , em que todas as formas de convivência humana chegaram a um extremo do seu ciclo que não se podeimaginar que novas formas tomarão. e oiço pela tua voz as razões invisíveis de que viviam as cidades, e pelas quais talvez, depois da morte, reviverão."
CALVINO, Italo; As Cidades Invisíveis; Lisboa: Editorial Teorema; 2006
ISBN 972-695-374-X
sábado, 26 de julho de 2008
tu fazes de conta...
"açucar.
tu para mim não és mais do que:
açucar.
e eu queria tanto estar contigo.
a minha vida vai ficando mais curta e o meu desejo está sempre a mudar:
é isto que eu sou.
"acorda mulher q'ele está a cantar no teu rádio. sonha mulher q'ele quer sonhar a teu lado."
eu já notei. eu já notei:
nenhum de nós é aquilo que diz.
e o que temos em comum é que eu pretendo tanto quanto tu ser ainda mais feliz.
(ser ainda mais feliz.)
"acorda mulher q'ele está a cantar no teu rádio. sonha mulher q'ele quer sonhar a teu lado."
[ajudar. eu posso-te ajudar]
eis o meu plano:
TU FAZES DE CONTA E EU TORÇO PARA QUE ME ENGANES BEM.
filma assim. filma tu: eu, nu. "
fogefogebandido.com
tu para mim não és mais do que:
açucar.
e eu queria tanto estar contigo.
a minha vida vai ficando mais curta e o meu desejo está sempre a mudar:
é isto que eu sou.
"acorda mulher q'ele está a cantar no teu rádio. sonha mulher q'ele quer sonhar a teu lado."
eu já notei. eu já notei:
nenhum de nós é aquilo que diz.
e o que temos em comum é que eu pretendo tanto quanto tu ser ainda mais feliz.
(ser ainda mais feliz.)
"acorda mulher q'ele está a cantar no teu rádio. sonha mulher q'ele quer sonhar a teu lado."
[ajudar. eu posso-te ajudar]
eis o meu plano:
TU FAZES DE CONTA E EU TORÇO PARA QUE ME ENGANES BEM.
filma assim. filma tu: eu, nu. "
fogefogebandido.com
quinta-feira, 26 de junho de 2008
Descompassos acompanhados de incoerências uno-existênciais
Hoje
Os mesmos dois sofás. Ainda os cobre o veludo vermelho. Está sujo e gasto. As palavras delas também. O tempo passou e deixou as suas marcas.
Os lábios vermelhos e as unhas negras ainda se mantêm, como a inércia do tempo de adolescência. E os sofás, antes novos e duros, moldam-se agora aos corpos. São duas.
O tempo de conversas animadas sobre assuntos banais ficou-se pelo passado, já não marca o passo no presente. As duas de preto, o sorriso encarnado forçado na boca e o sarcasmo enrolado na língua. Sempre foram boas de palavras, carinhosas ou amargas, sinceras.
1893
Consigo vê-las descer a rua com o andar em contra-tempo, como se não existissem espaços vazios. Um passo de cada vez para que pelo menos o chão que pisam se sinta completo. Não falam. Ela leva os ouvidos cheios de música, tão cheios (!) (nada mais interessa). Decrépito, tudo o resto, decrépito. Valem apenas as veias que lhe palpitam, cheias de alguma coisa que nem ela sabe bem o que é. Cresce-lhe uma força desumana, às vezes cruel. Ela esquece a melodia do andar e desata a correr, de uma forma desorientada, descompassada. Esquece a companhia. Corre. Corre mais. Corre ainda mais. Tropeça quando acorda do estado de psicose e cai. Cai no chão. Na rua. Numa rua. Desconhecida. Implora o anonimato mas sente-se o centro do mundo. Centro do mundo de quem a olha. E todos a olham. A cabeça rodopia, o olhar perde-se, inverte-se. Agonia. As meias pretas rasgaram-se e os joelhos esmagados contra o chão deixam escorrer sangue. De novo preto e vermelho. A deliciosa combinação. Morte e luxúria. A perversidade da outra cresce-lhe na visão da sua própria dor. Reflexo de salivação. Água na boca, para quem não perceber. O olhar torna-se concupiscente. Observar as pessoas a verem-na no seu acto mais masoquista. Ou mais sádico. Se por um lado o sangue jorrado pela ferida lhe provoca uma sede ardente, quase libidinosa, toda aquela cerimónia à sua volta, feita de histerismos de mulheres inquietas, a corrompe. É sarcasmo puro. E prazer. Muito. Mas não é ela. É a outra. Ou eu. Como quiserem.
Não a alcancei porque fiquei para trás e não a vi cair. Escapei-me por outra rua. Para infectar mais pessoas. Fixar-me nelas. Deleitar-me. Criar arrepios nervosos. Vê-las reprovarem-me quando cruzam olhares comigo. Eu sorrio e roubo mais um pedaço de inocência. A uma criança, adolescente ou adulto. Tudo serve, tudo se perverte. Enquanto caminho recolhendo pedaços de pureza dos outros que me enchem o ego, recordo-a. Ela nunca me deixa. É quase platónico. Talvez a minha única fracção de virgindade lhe pertença. A ela. É preciso fechar os olhos, eu preciso. Deixo-me cair no passeio, contra o muro. Já não faz sentido (nada faz sentido), só ela. Onde andará? Nem recordo o momento em que nos separámos. “Merde”! (se me permitem, em francês para não parecer tão rude). Eu não sei o que (eu) quero. Mas hoje, ela queria ficar sozinha, pensar. E eu não devia tê-la deixado. Não. Penso, sem formular qualquer raciocínio. Não consigo sequer somar 2+2. Pelos dedos, dois numa mão, dois noutra. Um, dois, três, quatro. Traição. Ficar. Não.
Já fujo, corro, galgo as ruínas da minha cidade infectada, num combate interior de medo e culpa antecipada. Onde andará? Pensa. Pensa. Só me resta confiar na intuição. Em casa. Agora chove, chovem-me em cima os remorsos. A rua de paralelo não me ajuda nesta odisseia interna. Falham-me os joelhos e quebra-se a força. Não posso cair. Não posso. Ela já não está longe e precisa de mim. Ou eu preciso dela, já não sei. Este último corredor de 15 metros assusta-me. Perturba-me.
Ela nem fechou a porta, está entreaberta. Sinto o gelo privar-me do movimento. Em estado líquido já só restam as lágrimas. “Linda Martini”, ouve-se pela porta.
Estou à sua frente. Está no chão, parou ali. Está nua, sentada na carpete. A posição do seu corpo enfraquecido, de joelhos ao peito, deixa à mostra as articulações esmurradas. Ela também chora como eu, mas tem espalhado à sua frente um leque de navalhas e facas. Vê-me com a doçura daquele olhar cheio de uma ansiedade angustiante e canta-me “Dá-me a tua melhor faca para cortarmos isto em dois e amanhã esquecer”.
“(…) Então o sol pôs-se ; de repente, o céu tornou-se vermelho como o sangue. Parei, apoiei-me (…), morto de cansaço. Línguas de fogo e sangue estendiam-se sobre o fiorde azul, negro. (…) Eu, sozinho e tremendo de medo, senti o grito imenso, infinito, da natureza.”
Vi-a cravar a navalha nos pulsos e senti a revolta imensa do mundo exterior abater-se sobre mim, num grito insonoro. Munch pintava um quadro, eu bebia-lhe o sangue que se derramava. Fiquei a vê-la desfalecer ao último suspiro. Beijei-a nos lábios e hauri os 21 gramas que ainda lhe restavam a mais dentro do corpo. Eu. Ela. Coexistimos agora. A partir de agora. Mas deixo o corpo ao abandono, naquele campo. Ali. Onde tu, que lês, não sabes onde fica. Não a encontrarás. Ela pertencer-me-á sempre, para sempre.
Hoje
A perversidade não me deixou. Não lamento o meu egoísmo de quando vi o meu mundo morrer para se tornar parte de mim. Viver permanentemente com ela, dentro dela, será uma prova do meu amor? Ou serei apenas mais uma ególatra? Os sofás mantêm-se e eu sento-me num deles. Ainda uso os mesmos lábios encarnados e manchados de escárnio. Restou o que sempre existiu entre nós. Silêncio. Um silêncio. O nosso silêncio.
“SILÊNCIO!” Toma-me ela o corpo, agora, e irá escrever para aqueles que um dia conseguirem aceitar esta condição. Este amor ou forma de amar.
Os mesmos dois sofás. Ainda os cobre o veludo vermelho. Está sujo e gasto. As palavras delas também. O tempo passou e deixou as suas marcas.
Os lábios vermelhos e as unhas negras ainda se mantêm, como a inércia do tempo de adolescência. E os sofás, antes novos e duros, moldam-se agora aos corpos. São duas.
O tempo de conversas animadas sobre assuntos banais ficou-se pelo passado, já não marca o passo no presente. As duas de preto, o sorriso encarnado forçado na boca e o sarcasmo enrolado na língua. Sempre foram boas de palavras, carinhosas ou amargas, sinceras.
1893
Consigo vê-las descer a rua com o andar em contra-tempo, como se não existissem espaços vazios. Um passo de cada vez para que pelo menos o chão que pisam se sinta completo. Não falam. Ela leva os ouvidos cheios de música, tão cheios (!) (nada mais interessa). Decrépito, tudo o resto, decrépito. Valem apenas as veias que lhe palpitam, cheias de alguma coisa que nem ela sabe bem o que é. Cresce-lhe uma força desumana, às vezes cruel. Ela esquece a melodia do andar e desata a correr, de uma forma desorientada, descompassada. Esquece a companhia. Corre. Corre mais. Corre ainda mais. Tropeça quando acorda do estado de psicose e cai. Cai no chão. Na rua. Numa rua. Desconhecida. Implora o anonimato mas sente-se o centro do mundo. Centro do mundo de quem a olha. E todos a olham. A cabeça rodopia, o olhar perde-se, inverte-se. Agonia. As meias pretas rasgaram-se e os joelhos esmagados contra o chão deixam escorrer sangue. De novo preto e vermelho. A deliciosa combinação. Morte e luxúria. A perversidade da outra cresce-lhe na visão da sua própria dor. Reflexo de salivação. Água na boca, para quem não perceber. O olhar torna-se concupiscente. Observar as pessoas a verem-na no seu acto mais masoquista. Ou mais sádico. Se por um lado o sangue jorrado pela ferida lhe provoca uma sede ardente, quase libidinosa, toda aquela cerimónia à sua volta, feita de histerismos de mulheres inquietas, a corrompe. É sarcasmo puro. E prazer. Muito. Mas não é ela. É a outra. Ou eu. Como quiserem.
Não a alcancei porque fiquei para trás e não a vi cair. Escapei-me por outra rua. Para infectar mais pessoas. Fixar-me nelas. Deleitar-me. Criar arrepios nervosos. Vê-las reprovarem-me quando cruzam olhares comigo. Eu sorrio e roubo mais um pedaço de inocência. A uma criança, adolescente ou adulto. Tudo serve, tudo se perverte. Enquanto caminho recolhendo pedaços de pureza dos outros que me enchem o ego, recordo-a. Ela nunca me deixa. É quase platónico. Talvez a minha única fracção de virgindade lhe pertença. A ela. É preciso fechar os olhos, eu preciso. Deixo-me cair no passeio, contra o muro. Já não faz sentido (nada faz sentido), só ela. Onde andará? Nem recordo o momento em que nos separámos. “Merde”! (se me permitem, em francês para não parecer tão rude). Eu não sei o que (eu) quero. Mas hoje, ela queria ficar sozinha, pensar. E eu não devia tê-la deixado. Não. Penso, sem formular qualquer raciocínio. Não consigo sequer somar 2+2. Pelos dedos, dois numa mão, dois noutra. Um, dois, três, quatro. Traição. Ficar. Não.
Já fujo, corro, galgo as ruínas da minha cidade infectada, num combate interior de medo e culpa antecipada. Onde andará? Pensa. Pensa. Só me resta confiar na intuição. Em casa. Agora chove, chovem-me em cima os remorsos. A rua de paralelo não me ajuda nesta odisseia interna. Falham-me os joelhos e quebra-se a força. Não posso cair. Não posso. Ela já não está longe e precisa de mim. Ou eu preciso dela, já não sei. Este último corredor de 15 metros assusta-me. Perturba-me.
Ela nem fechou a porta, está entreaberta. Sinto o gelo privar-me do movimento. Em estado líquido já só restam as lágrimas. “Linda Martini”, ouve-se pela porta.
Estou à sua frente. Está no chão, parou ali. Está nua, sentada na carpete. A posição do seu corpo enfraquecido, de joelhos ao peito, deixa à mostra as articulações esmurradas. Ela também chora como eu, mas tem espalhado à sua frente um leque de navalhas e facas. Vê-me com a doçura daquele olhar cheio de uma ansiedade angustiante e canta-me “Dá-me a tua melhor faca para cortarmos isto em dois e amanhã esquecer”.
“(…) Então o sol pôs-se ; de repente, o céu tornou-se vermelho como o sangue. Parei, apoiei-me (…), morto de cansaço. Línguas de fogo e sangue estendiam-se sobre o fiorde azul, negro. (…) Eu, sozinho e tremendo de medo, senti o grito imenso, infinito, da natureza.”
Vi-a cravar a navalha nos pulsos e senti a revolta imensa do mundo exterior abater-se sobre mim, num grito insonoro. Munch pintava um quadro, eu bebia-lhe o sangue que se derramava. Fiquei a vê-la desfalecer ao último suspiro. Beijei-a nos lábios e hauri os 21 gramas que ainda lhe restavam a mais dentro do corpo. Eu. Ela. Coexistimos agora. A partir de agora. Mas deixo o corpo ao abandono, naquele campo. Ali. Onde tu, que lês, não sabes onde fica. Não a encontrarás. Ela pertencer-me-á sempre, para sempre.
Hoje
A perversidade não me deixou. Não lamento o meu egoísmo de quando vi o meu mundo morrer para se tornar parte de mim. Viver permanentemente com ela, dentro dela, será uma prova do meu amor? Ou serei apenas mais uma ególatra? Os sofás mantêm-se e eu sento-me num deles. Ainda uso os mesmos lábios encarnados e manchados de escárnio. Restou o que sempre existiu entre nós. Silêncio. Um silêncio. O nosso silêncio.
“SILÊNCIO!” Toma-me ela o corpo, agora, e irá escrever para aqueles que um dia conseguirem aceitar esta condição. Este amor ou forma de amar.
domingo, 18 de maio de 2008
Narrativa de cruzamentos em lugares nenhuns e lugares de ninguém.
Circulam analogamente ao passar dos dias, desorientados corpos em mutação. Atravessam-se entre si as vivências, os princípios, as diferenças e as parecenças dos seres volúveis, em locais incertos ou mundos distantes. Os países, mais certamente as cidades, nada mais são senão pontos de desencontros, lares, obrigações de permanência, encarceres de homens autómatos. Vagueiam mecanicamente pelos dias de vida, conformados com a inércia e monotonia certa do passar dos tempos.
Neste mundo podia existir eu, podias existir tu. Um movimento de encerrar a insipidez das eras. Uma pequena revolução à nossa escala mundial. Uma quebra rotineira dos mecanismos sociais. Um grito conjunto. A impertinência de “alguéns”. Deixávamos cair a noite sobre as casas rodeadas de convencionalismos e partíamos à descoberta destes mundos. Não seria necessária a realidade paralela. Tornar Bundesrepublik Deutschland tão perto de Aotearoa. Correr pela Piazza Duomo, rodopiar e estar no Taj Mahal. A turbulência dos interfaces, a vertigem dos abismos, as distâncias percorridas em contra-tempo… a intermittentia dos olhares criam em mim vórtices de viagens, construções metálicas de cidades fantásticas e reinos utópicos.
A lonjura dos lugares unida por carris. As intercepções nos lugares iguais. Os encontrões por entre as multidões presas à azáfama do desprazer do caminho trilhado constantemente. Por entre eles dançaria (dançaríamos?) em rodopios incessantes, fazendo-os tropeçar, cair num estonteamento psicológico. A loucura é um estado de sanidade, quando doseada. A vontade de viver para além do estabelecido, de surgir com ímpeto em diferentes lugares e lá viver vis momentos sem fim porque usurpados repentinamente por uma nova aventura, num outro lugar, aqui, ali, acolá, desfigura o conservadorismo imposto, desafiando os seus sórdidos valores a verem a verdadeira beleza das coisas. Que diferença faz? Toda! As experiências solitárias sem ponto definido criam uma voragem de criatividade, alimentando uma visão cada vez mais surrealista ou até mesmo Dada.
domingo, 4 de maio de 2008
As ideias não surgem, as palavras não fluem.
A imaginação, outrora fértil, está infecunda.
Não projecta o mínimo rasgo de imagem abstracta a consolidar.
Não projecta o mínimo rasgo de imagem abstracta a consolidar.
O som dos dias é débil, o sabor do vento, da cidade, das pontes torna-se insípido.
Os cheiros, esses inebriam-me os sentidos, num reboliço algo embriagante, quase
nauseante, que me impede de olhar a clareza racional dos dias.
quinta-feira, 10 de abril de 2008
fado precoce em tons de azul
A cidadelha obscura deitava-se enquanto o céu arrefecia e se tornava escuro, em tons azul-violeta com luzes crepusculares à medida que a noite se adivinhava. Quando todos abandonavam os cantos mais ousados e as esquinas mais ocultas, Belo, de cigarro aceso nos lábios carregados de palavras surdas, dava vida ao seu vulto negro.Com o longo cabelo a cair-lhe sobre os ombros e pendendo-lhe para a face, ele avançava de máquina ao peito para a aresta mais soturna do bairro mais lúgubre da pequena cidade podre ...
Vivia para ver tudo aquilo mudar, crescer, talvez à velocidade que respirava um cigarro ou através de anos e anos de história registada em mais uns quantos livros mostrados às crianças, posteriormente, para que saibam os marcos do passado, sintam a evolução.
Enquanto aguardava esse utópico dia, voltava, uma noite atrás da outra, aos lugarejos mais recônditos para fotografar. Não usava cores, apenas o preto e o branco. Apenas o reflexo de uma dor profunda de um ego destruído, de um corpo desleixado, sequioso daqueles áureos sentimentos, daqueles gritos de revolta adolescente, proferidos aos sete ventos, sedentos de mensagens audaciosas dos putos convictos! Um contraste do seu imaginário com a mais pura das realidades ... a natureza corrompida, as crianças que na rua fumam mais um, o fado precoce esperando alcançá-los na overdose.
Embora também tendesse para esse caminho quando tudo perdia o rumo, quando a mais insignificante luz se apagava, sabia o significado do primeiro contacto com a droga nestas classes devastadas pela pobreza e falta de ajuda social. Tudo começaria com um «Prova!» e depois um «Queres outro?» ... Depois do ecstasy, da cocaína, da heroína, o final mais temido arrebataria a vida de jovens de escassas oportunidades ...
Fumava mais um cigarro enquanto vagueava pela ruela turva de cheiro a enxofre e doenças malignas. Num canto, mais um jovem a "meter p'rá veia", um outro a preparar aquela que Belo não sabia que seria a sua injecção. Fotografava cada um dos ocupantes. No entanto este último chamava pela objectiva de forma arrepiante, como que pedindo que todo o processo fosse gravado numa sequência de imagens. Belo, obedece! A sua presença, já habitual, não incomoda ninguém, pois todos olhavam para ele como mais "um daqueles tarados" que deambulam na penumbra. Começa, então, a captar a droga, o sumo ácido do limão que escorre até à colher suja, o isqueiro, toda a miscelânea a ferver, a seringa, o elástico que puxado pelos dentes aperta o braço magro e pisado do "junkie", o sorriso irónico, mais um "chuto" ... o prazer, a satisfação ... a satisfação, a dor, a corrosão, o abandono da vida mundana. O resultado de uma injecção letal, a pena capital, a morte.
Mais um corpo ao abandono, mais um entre muitos que ali permanecerão eternos sobre o negro do céu que desaba na hora fatal!
Apesar de não ter sido o primeiro que vira, Belo entrou, ainda chocado, em casa com tudo o que havia presenciado, com tudo o que estava preso ao negativo, ainda na máquina. Pousou-a na única estante que decora o estúdio sombrio, desajeitado, desarrumado onde vive (?) e estendeu-se ao comprido no sofá negro que vestia a carpete que por sua vez vestia o chão, onde havia improvisado uma espécie de sala. Deitado de barriga para cima, não conseguia evitar que as lágrimas lhe beijassem o rosto de pele ebúrnea, enquanto recordava tudo o que o assombrara essa noite. Adormecera por fim ...
Acordou era já alto dia com o sol que o espiava através das persianas, devolvendo àquele lugar um pouco de sorte! Ainda perturbado ergueu o corpo deitado e, como que de uma rotina se tratasse, pegou na máquina, atravessou o estúdio forrado de fotografias a preto e branco que formavam um padrão estranho, tumultuoso e dolorido, dirigindo-se à improvisada câmara escura. Certifica-se que o revelador está à temperatura adequada, toma atenção à hora antes de começar. Mergulha o papel no revelador com a emulsão para baixo, depois com uma pinça vira-o para cima. Agita a tina suavemente para que o papel não deixe de estar em movimento, 30 a 40 segundos e a imagem aparece. Cuidadosamente com a pinça, pega o papel passando-o pelo banho de paragem e por fim levando-o ao fixador. 10 Minutos "et voilá", Belo pode acender a luz ...
Após terminado processo e de resultados na mão, ele observa cada fotografia de forma minuciosa. Toda uma recordação que o aterrorizava desde a noite passada voltava num ápice à superfície da sua lembrança. Sentia o medo apoderar-se do seu corpo frágil e trémulo de ossos esguios ligeiramente desproporcionais. Ao passo que substituía a foto que via por outra e as repetia uma segunda ou terceira vez, as gotas cristalinas que haviam escorrido pelas faces de Belo voltavam a tomar conta dos seus olhos sem força, sem vontade, sem vida ... Chorava ao ver o seu rosto reflectido na cara desaparecida do drogado suicida. Os seus olhos inchavam em tons avermelhados, à medida que se apercebia do que tinha feito na noite anterior. A dor percorria-lhe as veias já sem sangue, o coração já parado, a mente já liberta, o corpo já morto ... - --
Sentia-se perverso, enojado daquilo em que se havia tornado. Tinha vontade de voltar àquele lugar, àquele sítio onde tudo o que é negro se torna azul-cordo-céu depois da injecção de droga que traz de volta o prazer. Queria morrer uma vez mais, de uma forma diferente! Matar-se! Não com a porcaria da droga, mas com um flash virado para si enquanto cravava a navalha no peito! Queria uma morte dolorosa, tamanha a vergonha que sentia de si mesmo ...
Percebia, então, que já não mais vagueava naquele mundo que julgava execrável e que era apenas uma alma penada que ninguém conseguiria vislumbrar. Vivia, agora, para ver a felicidade dos outros, que poderia ser a sua. Desejava morrer outra vez, doía demais viver naquele que era um caminho de penumbra no corredor entre a vida e a morte. Odiava ser um fantasma. Queria enterrar-se no mais fundo dos buracos da terra e ser devorado pelos mais esfomeados, devoradores caçadores minúsculos que lá viviam. Haveria forma de se morrer outra vez? Como matar um fantasma? Não sabia.
Belo ficara aprisionado naquele corpo diáfano ... (a mágoa, o arrependimento nunca mais o deixaram, sobreviveu apenas a vontade de ver tudo mudar, para preto ou para branco, mas nunca para azul).
Vivia para ver tudo aquilo mudar, crescer, talvez à velocidade que respirava um cigarro ou através de anos e anos de história registada em mais uns quantos livros mostrados às crianças, posteriormente, para que saibam os marcos do passado, sintam a evolução.
Enquanto aguardava esse utópico dia, voltava, uma noite atrás da outra, aos lugarejos mais recônditos para fotografar. Não usava cores, apenas o preto e o branco. Apenas o reflexo de uma dor profunda de um ego destruído, de um corpo desleixado, sequioso daqueles áureos sentimentos, daqueles gritos de revolta adolescente, proferidos aos sete ventos, sedentos de mensagens audaciosas dos putos convictos! Um contraste do seu imaginário com a mais pura das realidades ... a natureza corrompida, as crianças que na rua fumam mais um, o fado precoce esperando alcançá-los na overdose.
Embora também tendesse para esse caminho quando tudo perdia o rumo, quando a mais insignificante luz se apagava, sabia o significado do primeiro contacto com a droga nestas classes devastadas pela pobreza e falta de ajuda social. Tudo começaria com um «Prova!» e depois um «Queres outro?» ... Depois do ecstasy, da cocaína, da heroína, o final mais temido arrebataria a vida de jovens de escassas oportunidades ...
Fumava mais um cigarro enquanto vagueava pela ruela turva de cheiro a enxofre e doenças malignas. Num canto, mais um jovem a "meter p'rá veia", um outro a preparar aquela que Belo não sabia que seria a sua injecção. Fotografava cada um dos ocupantes. No entanto este último chamava pela objectiva de forma arrepiante, como que pedindo que todo o processo fosse gravado numa sequência de imagens. Belo, obedece! A sua presença, já habitual, não incomoda ninguém, pois todos olhavam para ele como mais "um daqueles tarados" que deambulam na penumbra. Começa, então, a captar a droga, o sumo ácido do limão que escorre até à colher suja, o isqueiro, toda a miscelânea a ferver, a seringa, o elástico que puxado pelos dentes aperta o braço magro e pisado do "junkie", o sorriso irónico, mais um "chuto" ... o prazer, a satisfação ... a satisfação, a dor, a corrosão, o abandono da vida mundana. O resultado de uma injecção letal, a pena capital, a morte.
Mais um corpo ao abandono, mais um entre muitos que ali permanecerão eternos sobre o negro do céu que desaba na hora fatal!
Apesar de não ter sido o primeiro que vira, Belo entrou, ainda chocado, em casa com tudo o que havia presenciado, com tudo o que estava preso ao negativo, ainda na máquina. Pousou-a na única estante que decora o estúdio sombrio, desajeitado, desarrumado onde vive (?) e estendeu-se ao comprido no sofá negro que vestia a carpete que por sua vez vestia o chão, onde havia improvisado uma espécie de sala. Deitado de barriga para cima, não conseguia evitar que as lágrimas lhe beijassem o rosto de pele ebúrnea, enquanto recordava tudo o que o assombrara essa noite. Adormecera por fim ...
Acordou era já alto dia com o sol que o espiava através das persianas, devolvendo àquele lugar um pouco de sorte! Ainda perturbado ergueu o corpo deitado e, como que de uma rotina se tratasse, pegou na máquina, atravessou o estúdio forrado de fotografias a preto e branco que formavam um padrão estranho, tumultuoso e dolorido, dirigindo-se à improvisada câmara escura. Certifica-se que o revelador está à temperatura adequada, toma atenção à hora antes de começar. Mergulha o papel no revelador com a emulsão para baixo, depois com uma pinça vira-o para cima. Agita a tina suavemente para que o papel não deixe de estar em movimento, 30 a 40 segundos e a imagem aparece. Cuidadosamente com a pinça, pega o papel passando-o pelo banho de paragem e por fim levando-o ao fixador. 10 Minutos "et voilá", Belo pode acender a luz ...
Após terminado processo e de resultados na mão, ele observa cada fotografia de forma minuciosa. Toda uma recordação que o aterrorizava desde a noite passada voltava num ápice à superfície da sua lembrança. Sentia o medo apoderar-se do seu corpo frágil e trémulo de ossos esguios ligeiramente desproporcionais. Ao passo que substituía a foto que via por outra e as repetia uma segunda ou terceira vez, as gotas cristalinas que haviam escorrido pelas faces de Belo voltavam a tomar conta dos seus olhos sem força, sem vontade, sem vida ... Chorava ao ver o seu rosto reflectido na cara desaparecida do drogado suicida. Os seus olhos inchavam em tons avermelhados, à medida que se apercebia do que tinha feito na noite anterior. A dor percorria-lhe as veias já sem sangue, o coração já parado, a mente já liberta, o corpo já morto ... - --
Sentia-se perverso, enojado daquilo em que se havia tornado. Tinha vontade de voltar àquele lugar, àquele sítio onde tudo o que é negro se torna azul-cordo-céu depois da injecção de droga que traz de volta o prazer. Queria morrer uma vez mais, de uma forma diferente! Matar-se! Não com a porcaria da droga, mas com um flash virado para si enquanto cravava a navalha no peito! Queria uma morte dolorosa, tamanha a vergonha que sentia de si mesmo ...
Percebia, então, que já não mais vagueava naquele mundo que julgava execrável e que era apenas uma alma penada que ninguém conseguiria vislumbrar. Vivia, agora, para ver a felicidade dos outros, que poderia ser a sua. Desejava morrer outra vez, doía demais viver naquele que era um caminho de penumbra no corredor entre a vida e a morte. Odiava ser um fantasma. Queria enterrar-se no mais fundo dos buracos da terra e ser devorado pelos mais esfomeados, devoradores caçadores minúsculos que lá viviam. Haveria forma de se morrer outra vez? Como matar um fantasma? Não sabia.
Belo ficara aprisionado naquele corpo diáfano ... (a mágoa, o arrependimento nunca mais o deixaram, sobreviveu apenas a vontade de ver tudo mudar, para preto ou para branco, mas nunca para azul).
quarta-feira, 26 de março de 2008
Quando o suicídio contemplado é apenas fruto mórbido do amor
A fuga à insanidade é constante. Julgar o que é normal ou anormal torna-se difícil quando a discórdia assenta no ponto fulcral da vida em sociedade.
Shelly contorcia-se na cama redonda do quarto, num apartamento emprestado para uma cura, a sua. Não iria chegar o dia em que a pequena de 18 anos se viria livre daquele tão maldito vício. Consumia-a todos os dias, três ou quatro vezes por dia. Não o conseguia evitar. Não alimentar esta necessidade era viver em vão para a rapariga de cabelo escadeado e encaracolado pelos ombros. A sua pele, antes branca, apresentava agora uma tez escurecida devido às horas fora de transe passadas na varanda ao sol. Mas tudo são pormenores desnecessários quando se sabe que a importância da vida de alguém se resume a um quarto de cama redonda. E lá estava ela, deitada de forma irregular - quase chegava a formar um desenho engraçado pelas saliências e depressões causadas pelo corpo sob o lençol -. Era branco, o lençol. Do tecto pendiam rendas, muitas rendas, vermelhas, lilases, brancas, sujas… que encontravam o chão num tremendo reboliço de panejamentos e pó. As paredes estavam rabiscadas de motivos bizarros. Corpos mutilados, andares escancarados, anorexias esqueléticas, palavras sem-ordem, fotografias rasgadas, mesclas de estados psicológicos unidos por linhas de lã juntas por nós defeituosos.
Nada fazia sentido naquele compartimento não fosse o corpo que lá se encontra. Shelly procurava controlar a vontade de uma nova dose, como tentava todos os dias. A fuga eram as paredes, o chão, o tecto, os lençóis rasgados, as unhas cravadas na pele, a garrafa de whisky na mesa-de-cabeceira, ou mesmo a borboleta estendida do lado da almofada já esfaqueada. Da vez que golpeara o travesseiro ainda não tinha chegado à fase física. Tal comportamento sugeria uma determinação niilista de pressionar o botão da auto-destruição. Os distúrbios emocionais e as esquizofrenias nervosas faziam-na ir para além dos limites do entendimento humano. Era especial. Ela. E os espíritos malignos não a abandonavam e ela não conseguia combater esta dependência. Toda esta atitude a encaminhava para uma morte prematura, fosse ela hoje, amanhã ou depois…
Por vezes a alienação fazia-a delirar. Desenhava pentagramas invertidos nas paredes e gritava para o infinito dizendo-se possuída por bruxas. Estava na hora de outra porção. Mais uma vez nada conseguira fazer para travar o vício que avançava para ela como que fugindo de uma morte não anunciada. Sem garrote nem agulha, sem mortalhas ou filtros, ela injectava-se e fumava a sua droga invisível, dominadora e persuasiva. Mais um estado de voo mental, pela pior acepção da expressão. Não voava sobre um ninho de cucos nem via espaços amplos decorados com motivos arabescos, carpetes longas e incensos queimados, criadores de efeitos quase alucinogénicos nos presentes. Pelo contrário, entrava num estado de êxtase psicótico desvairado, sem controlo mental ou racional. Agia por impulso e chorava. Ou rasgava. Ou mutilava, o próprio corpo. E é assim que está a ser hoje, agora.
São cinco horas de uma manhã que chora lágrimas de sangue que teimam em cair nos lençóis de Shelly. Cai o líquido vermelho do céu. Cai o suco da vida através do seu peito. Jorram-se gotas contínuas de sangue pela camisa de noite. A isto, eu chamo um acto falhado. Uma navalhada falhada, em cheio no coração.
Poucos segundos lhe restam, o final de vida precoce deixou-se ver hoje como lição final. O ponto final contemplando o suicídio.
Ironia das ironias, a sua droga era apenas um estado de depressão ao qual ela dedicava parte do seu dia, e mesmo assim lhe consumiu a vida, levando-a ao Purgatório dos juízos em que nem ela acreditava. A derradeira sentença não será favorável a uma nova vida de sanidade mental. Roubar a vida a nós próprios ainda é considerado pecado dotado de uma excentricidade maléfica. O caminho será o do fogo. Da maldição. Talvez o seu estado de morte cerebral já tivesse sido decretado em vida, naquele apartamento, naquele quarto. Uma nova era se iniciará, um novo apartamento, numa nova cama, porque os monstros que nos assombram são eternos como a dor profunda que sentimos ao perder um grande amor. Porque “o fogo que arde sem se ver” não se apaga e nós ficamos para sempre presos na dura realidade da solidão, do abandono. E todos parecem estranhos, até mesmo o mais sincero dos amigos, pois a única coisa que o nosso olhar alcança é o do desejo que ver o amor (dele) voltar. É querer sair do estado de paranóia e voltar a ser feliz.
14 Julho de 07
Shelly contorcia-se na cama redonda do quarto, num apartamento emprestado para uma cura, a sua. Não iria chegar o dia em que a pequena de 18 anos se viria livre daquele tão maldito vício. Consumia-a todos os dias, três ou quatro vezes por dia. Não o conseguia evitar. Não alimentar esta necessidade era viver em vão para a rapariga de cabelo escadeado e encaracolado pelos ombros. A sua pele, antes branca, apresentava agora uma tez escurecida devido às horas fora de transe passadas na varanda ao sol. Mas tudo são pormenores desnecessários quando se sabe que a importância da vida de alguém se resume a um quarto de cama redonda. E lá estava ela, deitada de forma irregular - quase chegava a formar um desenho engraçado pelas saliências e depressões causadas pelo corpo sob o lençol -. Era branco, o lençol. Do tecto pendiam rendas, muitas rendas, vermelhas, lilases, brancas, sujas… que encontravam o chão num tremendo reboliço de panejamentos e pó. As paredes estavam rabiscadas de motivos bizarros. Corpos mutilados, andares escancarados, anorexias esqueléticas, palavras sem-ordem, fotografias rasgadas, mesclas de estados psicológicos unidos por linhas de lã juntas por nós defeituosos.
Nada fazia sentido naquele compartimento não fosse o corpo que lá se encontra. Shelly procurava controlar a vontade de uma nova dose, como tentava todos os dias. A fuga eram as paredes, o chão, o tecto, os lençóis rasgados, as unhas cravadas na pele, a garrafa de whisky na mesa-de-cabeceira, ou mesmo a borboleta estendida do lado da almofada já esfaqueada. Da vez que golpeara o travesseiro ainda não tinha chegado à fase física. Tal comportamento sugeria uma determinação niilista de pressionar o botão da auto-destruição. Os distúrbios emocionais e as esquizofrenias nervosas faziam-na ir para além dos limites do entendimento humano. Era especial. Ela. E os espíritos malignos não a abandonavam e ela não conseguia combater esta dependência. Toda esta atitude a encaminhava para uma morte prematura, fosse ela hoje, amanhã ou depois…
Por vezes a alienação fazia-a delirar. Desenhava pentagramas invertidos nas paredes e gritava para o infinito dizendo-se possuída por bruxas. Estava na hora de outra porção. Mais uma vez nada conseguira fazer para travar o vício que avançava para ela como que fugindo de uma morte não anunciada. Sem garrote nem agulha, sem mortalhas ou filtros, ela injectava-se e fumava a sua droga invisível, dominadora e persuasiva. Mais um estado de voo mental, pela pior acepção da expressão. Não voava sobre um ninho de cucos nem via espaços amplos decorados com motivos arabescos, carpetes longas e incensos queimados, criadores de efeitos quase alucinogénicos nos presentes. Pelo contrário, entrava num estado de êxtase psicótico desvairado, sem controlo mental ou racional. Agia por impulso e chorava. Ou rasgava. Ou mutilava, o próprio corpo. E é assim que está a ser hoje, agora.
São cinco horas de uma manhã que chora lágrimas de sangue que teimam em cair nos lençóis de Shelly. Cai o líquido vermelho do céu. Cai o suco da vida através do seu peito. Jorram-se gotas contínuas de sangue pela camisa de noite. A isto, eu chamo um acto falhado. Uma navalhada falhada, em cheio no coração.
Poucos segundos lhe restam, o final de vida precoce deixou-se ver hoje como lição final. O ponto final contemplando o suicídio.
Ironia das ironias, a sua droga era apenas um estado de depressão ao qual ela dedicava parte do seu dia, e mesmo assim lhe consumiu a vida, levando-a ao Purgatório dos juízos em que nem ela acreditava. A derradeira sentença não será favorável a uma nova vida de sanidade mental. Roubar a vida a nós próprios ainda é considerado pecado dotado de uma excentricidade maléfica. O caminho será o do fogo. Da maldição. Talvez o seu estado de morte cerebral já tivesse sido decretado em vida, naquele apartamento, naquele quarto. Uma nova era se iniciará, um novo apartamento, numa nova cama, porque os monstros que nos assombram são eternos como a dor profunda que sentimos ao perder um grande amor. Porque “o fogo que arde sem se ver” não se apaga e nós ficamos para sempre presos na dura realidade da solidão, do abandono. E todos parecem estranhos, até mesmo o mais sincero dos amigos, pois a única coisa que o nosso olhar alcança é o do desejo que ver o amor (dele) voltar. É querer sair do estado de paranóia e voltar a ser feliz.
14 Julho de 07
segunda-feira, 10 de março de 2008
The Cure @ Pavilhão Atlântico
julgo-me lá ainda. de sapatilhas rotas. com pés de bailarina descoordenada. e eles tocam só para mim. e eu danço. eu eu rodopio. e eu levo os braços ao alto. e eu berro cantando os meus dezoito anos (des)alinhados com as melodias sonantes e as poesias tão em mim identificadas. eles tocam só para mim. só para mim. ascese. nirvana. só para mim. e eu elevo-me no ar flutuando por entre as luzes etrelares emanadas do palco. a noite ainda não terminou, e eu ainda estou à espera dele.
"The spiderman is having me for dinner tonight"
"The spiderman is having me for dinner tonight"
Alinhamento:
Plainsong
Prayers For The Rain
A Strange Day
Alt.End
The Blood
The End of the World
Love Song
A Boy I Never Knew
Pictures of You
Lullaby
From The Edge of The Deep Green Sea
Kyoto Song
Please Project
The Walk
Push
Friday I'm In Love
In Between Days
Just Like Heaven
Primary
Never Enough
Wrong Number
One Hundred Years
Disintegration
ENCORE 1
At Night
M
Play For Today
A Forest
ENCORE 2
Lovecats
Let's Go To Bed
Freak Show
Close To Me
Why Can't I Be You
ENCORE 3
Boys Don't Cry
Jumping Someone Else's Train
Grinding Halt
10.15 Saturday Night
Killing An Arab
quarta-feira, 5 de março de 2008
O IMAGINÁRIO É DOENTIO QUANDO DELES FAZ PARTE A P*TA DA REALIDADE
São flashes de eternidades rasgadas por arames farpados, manchados de sangue de outros que se derramaram em jazigos de dor insensível de mortos que revivem olhares mascarados de ternuras inexistentes.
São pedaços efervescentes em água turva oscilante sob pés descalços jogados nas pedras das calçadas sujas onde o ar não circulou?
São, porém, somos!
A mutilação gera o suicídio de corpos anormais em pessoas esquisitas.
É morte sinónimo de nascimento quando o sentido do obscuro (que tão belo torna os interiores românticos daqueles que se abandonam…) é deturpado pelos cérebros de plástico?
Ó dia que dais vida a noite!
Ó vida que fazeis ceder os mais fortes por estes se julgarem deveras fracos!
Por que tornais o imaginário digno apenas após o abandono da vida terrena?
Morramos por isso (?).
21 Dezembro 2006
São pedaços efervescentes em água turva oscilante sob pés descalços jogados nas pedras das calçadas sujas onde o ar não circulou?
São, porém, somos!
A mutilação gera o suicídio de corpos anormais em pessoas esquisitas.
É morte sinónimo de nascimento quando o sentido do obscuro (que tão belo torna os interiores românticos daqueles que se abandonam…) é deturpado pelos cérebros de plástico?
Ó dia que dais vida a noite!
Ó vida que fazeis ceder os mais fortes por estes se julgarem deveras fracos!
Por que tornais o imaginário digno apenas após o abandono da vida terrena?
Morramos por isso (?).
21 Dezembro 2006
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Não devias deveras
Um último sopro
A tua vontade
Desmedida
Procuras o medo
No fervor da minha ganância
E esperas
Saber o sabor do desejo inquieta-te
E desejares-me, move-te
Para nada
Por nada
Quero-te como não quero que me queiras
Querendo-me pelo que quero ser
E talvez não pelo que seja…
Mas conheces-me e
Ignoras-me quando te oculto o meu “Eu”.
Quando tento ser melhor
Ris-te de mim a gozo
E silencias-me com a tua boca.
Amas-me pelo que sou?
Não devias, deveras.
06 Dezembro 2006
A tua vontade
Desmedida
Procuras o medo
No fervor da minha ganância
E esperas
Saber o sabor do desejo inquieta-te
E desejares-me, move-te
Para nada
Por nada
Quero-te como não quero que me queiras
Querendo-me pelo que quero ser
E talvez não pelo que seja…
Mas conheces-me e
Ignoras-me quando te oculto o meu “Eu”.
Quando tento ser melhor
Ris-te de mim a gozo
E silencias-me com a tua boca.
Amas-me pelo que sou?
Não devias, deveras.
06 Dezembro 2006
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